02/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO32.3 - Saúde mental infanto-juvenil e atenção psicossocial |
47159 - PROGRAMA JANELA DA ESCUTA: O ADOLESCENTE ESPECIALISTA DE SI E A TESSITURA DE UMA REDE SOB MEDIDA COMO DIREÇÕES ÉTICAS PARA UM CUIDADO EM LIBERDADE GABRIELA ANTUNES FERREIRA - UFMG, CRISTIANE DE FREITAS CUNHA GRILLO - UFMG
Contextualização O Programa Janela da Escuta é um projeto de Extensão e pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Este Programa está inserido no ambulatório de saúde do adolescente do Hospital das Clínicas da UFMG e seu atendimento é 100% atrelado ao Sistema Único de Saúde. O ambulatório recebe adolescentes a partir de demandas espontâneas, encaminhamentos internos do Hospital das Clínicas e encaminhamentos da rede de atendimento de adolescentes e de seus familiares de todo o Estado de Minas Gerais.
O trabalho realizado no Programa é clinico e interdisciplinar, orientado pela psicanálise e segue a direção ética de que “o adolescente é especialista de si”, com vistas a construção de uma rede de atendimento sob medida, ou seja, um cuidado a partir do que o adolescente aponta como percurso para o seu atendimento.
Descrição Todos os casos acolhidos pelo Janela da Escuta são discutidos pela equipe do programa e pela rede de atendimento que se forma a partir do caso por meio das conversações clinicas de orientação psicanalítica que visam a produção de um saber horizontal que emerge de cada caso atendido.
Para tanto, além de acolher os adolescentes, o programa também acolhe os profissionais da rede, pois objetiva-se que uma rede territorial seja construída para o atendimento do adolescente. Nesse sentido, o Janela da Escuta é o ponto da rede que está dentro e fora simultaneamente, uma vez que é um dispositivo do SUS, mas não tem o imperativo do cumprimento de rígidos protocolos institucionais.
Período de Realização O programa Janela da Escuta tem 18 anos de trabalho, entretanto, a sua metodologia é construída por muitas mãos e se atualiza a cada vez.
Objetivos Busca-se, a partir das conversações clínicas interdisciplinares, apontar para a rede de garantia de direitos e ao sistema de justiça que a tessitura de uma rede sob medida é um contraponto ético às medidas de privação de liberdade atribuídas aos adolescentes que chegam para o atendimento no Janela da Escuta.
Resultados Após diversas experiências de conversações clínicas interdisciplinares com os atores das políticas públicas envolvidos nos casos atendidos, principalmente os provenientes do sistema socioeducativo, houve a localização de que o racismo estrutural, e a herança escravocrata e colonial no Brasil são responsáveis pelas diversas rupturas dos adolescentes nas políticas públicas de atendimento e pelo encarceramento desses adolescentes.
Dessa forma, o racismo e a subjetividade podem emergir dos protocolos e fluxos anônimos, que velam a singularidade e eximem os profissionais de uma reflexão crítica.
Recolhe-se que no momento em que o adolescente proveniente do sistema socioeducativo é acolhido no Janela da Escuta, torna-se possível nas conversações clínicas, deslocar os saberes pré-concebidos dos diferentes profissionais das políticas de atendimento sobre o caso. Com isso, há o surgimento de um outro saber, que vem do caso, e que direciona novas intervenções, além de possibilitar a construção de uma rede territorial de atendimento.
Aprendizados É possível que os trabalhadores das políticas públicas se sirvam dos protocolos institucionais, entretanto, sem desconsiderar o que há de singular no que o adolescente apresenta e o que é estruturante e estrutural da dinâmica social brasileira. A não adesão de alguns adolescentes às ofertas das políticas públicas também são respostas que precisam de um lugar de escuta e reflexão por parte dos profissionais da rede de atendimento.
Verifica-se também que é um novo modo de conceber o atendimento de adolescentes no contexto das políticas públicas, onde visa-se a capilaridade da escuta e de um acolhimento desburocratizado pelos territórios. A partir de uma suposição de saber no adolescente, é possível que qualquer profissional disposto a abrir mão de um saber pré-concebido consiga acolher o adolescente. Ou seja, aposta-se na construção de uma prática além dos ideais universais.
Análise Crítica Os dados do Anuário da Segurança Pública de 2022 apontam que a maioria dos adolescentes e jovens em cumprimento de medida de privação de liberdade, e os corpos mais atingidos por mortes violentas são de homens negros. Além disso, são em sua maioria, presos pelo tráfico de drogas.
Diante disso, a aposta do Programa Janela da Escuta é na construção de uma rede de atendimento em contraponto ao encarceramento e do genocídio de jovens negros no país. A atuação das políticas públicas deve ocorrer em um momento anterior ao encarceramento e se o cárcere é a única solução é porque algo falhou no âmbito da proteção e da garantia de direitos. Nesse contexto, o trabalho no tráfico deve ser tratado não pela via do encarceramento, mas no campo da proteção ao trabalho infantojuvenil.
Nesse sentido, toma-se a metodologia do Janela da Escuta como uma prática que supõem o saber no adolescente e aposta na rede para a manutenção da vida da juventude negra e na construção de um cuidado em liberdade.
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