Comunicação Oral

02/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO32.3 - Saúde mental infanto-juvenil e atenção psicossocial

47324 - ENTRE O RASGAR-SE E O REMENDAR-SE DA REDE DE CUIDADOS: UM RELATO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA ADOLESCÊNCIA
RICARDO RIBEIRO DE ALMEIDA - UFRN, CAROLINA CARVALHO DIAS - UFRN, JUCIELI POLYANNA QUERINO DA SILVA - UFRGS, ANA CAROLINA RIOS SIMONI - UFRN, JADER FERREIRA LEITE - UFRN, CANDIDA MARIA BEZERRA DANTAS - UFRN


Contextualização
Em situação de urgência, uma Unidade de Acolhimento da Rede de Assistência Social de Natal (RN) procura a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA), diante do esgotamento das estratégias de cuidado de duas adolescentes irmãs. Com um histórico extenso de internações hospitalares, tentativas de suicidio, autolesões e situações de risco, bem como uma longa narrativa da falibilidade das intervenções em saúde mental, o trabalho desenvolvido com elas, no CAPSi, não teve adesão. A chegada delas ao acolhimento institucional é permeada por violações de direitos e outras violências. As adolescentes residiam com sua irmã mais velha, sua avó e sua mãe, uma mulher negra e jovem, em um bairro marcado pela presença do tráfico de drogas e tiveram a casa como cena de dois assassinatos, entre os quais está o da própria mãe. Essa perda inicia um processo de desamparo nessa família, por meio de dificuldades financeiras e conflitos relacionais, que resultam na institucionalização das irmãs. Neste contexto, através do contato da Unidade com o SEPA, pensa-se a oferta do acompanhamento terapêutico (AT) como dispositivo clínico-político de cuidado territorializado em saúde mental. Assim sendo, a proposta foi apresentada para as duas adolescentes, que aceitaram a empreitada dessa clínica nômade.

Descrição
O AT se configurou a partir de encontros em vários espaços, como as instituições de acolhimento, parques, a casa da avó, o território pelo qual elas circulavam, os hospitais por onde passaram, entre outros. As atividades se basearam nos desejos das adolescentes e, conforme iam se produzindo os vínculos, a presença dos ATs junto a elas desvelou novas rotas. Reuniões de rede também foram realizadas, visando a articulação entre os diferentes serviços que as atendiam. À medida que as cenas iam se concretizando, dialogou-se com referenciais das psicanálises, da análise institucional, da saúde pública, da saúde mental e da saúde coletiva.

Período de Realização
Os encontros com os ATs iniciaram em agosto de 2022 e seguiram esses moldes até o momento atual.

Objetivos
Esse relato tem como objetivo apresentar uma experiência de acompanhamento terapêutico, nos marcos de uma perspectiva antimanicomial.

Resultados
A aproximação dos ATs promoveu aberturas de cuidados em saúde mental que até então estavam fechadas, o que foi possível através do vínculo e do engajamento das adolescentes nas atividades propostas. As interações foram mobilizando reflexões sobre o projeto de vida de cada uma. Ademais, propiciou-se também um canal de diálogo entre elas e as instituições envolvidas, justamente porque o AT assumia a posição de mediação. Vislumbrou-se que, por de trás dos discursos sobre as irmãs problemáticas, havia uma recusa delas em aceitar as prescrições, patologizações e normatizações. Portanto, o AT funcionou também como problematizador das práticas em saúde e aliado na luta pela concretização do que desejavam. Houve cenas de cuidado, nas quais se produziu novos contornos e sentidos, ao passo que se permitiu uma atenção sensível aos momentos de crise. Fruto dessa artesania do cotidiano e do diálogo com a rede, foi possível pensar e concretizar o retorno para a casa da avó, com quem tinham um vínculo forte. Assim, produziu-se uma significativa mobilização da família para se fortalecer e articular com outros atores, como a Igreja e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), no sentido de garantir a permanência das adolescentes na casa da avó e questionar o cuidado ofertado.

Aprendizados
O AT mostrou a relevância da flexibilidade no modo de manejar os encontros com as adolescentes e construir, junto a elas, a clínica que era possível para o seu contexto. Lidar com imprevistos ou mudanças repentinas foi fundamental para suscitar novas rotas, que iam se estabelecendo nos processos de institucionalização

Análise Crítica
Antes da entrada do AT, a rede de cuidados entendia que a separação das irmãs era uma estratégia eficaz. Nesta perspectiva, repousava uma concepção de que o sofrimento é uma produção individual e que, portanto, é preciso isolar para cuidar. O cuidado, nesse sentido, era entendido como resultado de uma boa frequência nas atividades do CAPSi e do uso regular e excessivo de medicamentos. Na lógica da medicalização e da patologização de suas vidas, a ideia predominante era de que para elas não havia outros caminhos possíveis. Assim, uma história já precedida por internações psiquiátricas seguia na repetição de práticas manicomiais. Os profissionais tinham dificuldade de entender a função e o papel do AT, de modo que esperavam uma atuação disciplinar sobre as adolescentes ou não enxergavam tal dispositivo como uma modalidade da clínica psicológica. Por isso, foram fundamentais os momentos de conciliação junto às equipes e ao lado das adolescentes, para nutrir uma outra perspectiva, que enxergava na casa da avó e no território que elas desejavam estar a semente para o florescimento de uma outra vida possível e, quiçá, mais vivível.