02/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO32.4 - Cuidado em liberdade: desafios para a RAPS |
46000 - “VOCÊ É A PRIMEIRA NO YLÊ TOLOYA”: PRÁTICAS DE CUIDADO DE MULHERES QUE USAM DROGAS E FEMINISMO DECOLONIAL. CALIANDRA MACHADO PINHEIRO - UFBA, MÔNICA DE OLIVEIRA NUNES DE TORRENTÉ - UFBA
Apresentação/Introdução O cuidado para pessoas que fazem uso de drogas envolve diversos aspectos, tais como a história de uso de uma população, vulnerabilidades que podem produzir este uso, ou advir deste uso, e ainda as estratégias formuladas para dar conta das questões suscitadas por um uso que pode se configurar em um problema. Em revisão sistemática realizada sobre o tratamento para o uso de drogas por mulheres, foram encontrados resultados que apontam para a influência dos estigmas sociais, atitudes julgadoras dos profissionais e da família e a importância de considerar as necessidades sociais e de saúde através de um cuidado singularizado. Porém, poucos trabalhos vão sinalizar o fato de que essas mulheres vivem em sociedades sexistas e de que modo gênero, raça e classe influenciam nos usos de drogas e no seu tratamento.
Objetivos Desta forma, este trabalho é fruto de uma análise preliminar dos resultados de uma pesquisa cujo objetivo foi analisar, numa perspectiva feminista decolonial, experiências de cuidado de mulheres que fazem/fizeram uso problemático de álcool e outras drogas. Tal objetivo principal se desdobrou em três objetivos específicos: identificar práticas de cuidado implementadas por mulheres com histórico de uso problemático de álcool e outras drogas; conhecer as experiências de mulheres com histórico de uso problemático de álcool e outras drogas no tocante às práticas de cuidado implementadas nos serviços de saúde; e discutir, numa perspectiva feminista decolonial, sobre as experiências de mulheres com histórico de uso problemático de álcool e outras drogas no tocante às práticas de cuidado implementadas dentro e fora dos serviços de saúde.
Metodologia Para tal, foi realizada uma pesquisa de cunho etnográfico, utilizando o método da História de Vida em combinação com registros fotográficos, vídeos e a Observação Participante, como também um método participativo inspirado nos grupos operativos de Enrique Pichon-Rivière. A análise das narrativas, materiais áudiovisuais e conteúdos advindos dos grupos se pautou numa perspecitva hermenêutica crítica e reflexiva, tendo como norte teórico uma epistemologia feminista perspectivista, o feminismo decolonial. Neste trabalho foi escolhida uma das interlocutoras da pesquisa para a reconstrução aprofundada do caso.
Resultados e discussão Foi possível observar também que as práticas de cuidado implementadas em relação a esses sofrimentos foram operacionalizadas através das relações familiares, do encontro com serviços de saúde mental e do ambiente religioso. Gostaríamos de destacar que a interlocutora pertence a uma família onde as mulheres têm lugar de liderança no contexto familiar e religioso, em especial no contexto do Candomblé. Nossa interlocutora tem um cargo dentro de seu Ylê e as relações aí estabelecidas tiveram um papel decisivo na implementação de práticas de cuidado em torno do problema com o uso de álcool, tais como a mudança temporária de território, o fortalecimento do pertencimento à família de axé, o direcionamento para a rede de saúde e o comprometimento com seu cargo e com os Orixás. Além disso, a interlocutora teceu, junto às profissionais de saúde do Centro de Atenção Psicossocial para usuárias/os de álcool e outras drogas (CAPS AD) e usuárias/os do serviço onde faz tratamento, uma rede de apoio em concomitância com a adoção de outras tecnologias de cuidado, como um grupo operativo para mulheres com perspectiva feminista, oficinas terapêuticas diversas, oficina de geração de renda, escutas individualizadas e o uso de medicamentos. Esta combinação de práticas de cuidado tem possibilitado que a interlocutora possa gerir seus desafios cotidianos com menos sofrimento e sem a necessidade de recorrer ao uso de álcool como um anestésico da vida.
Conclusões/Considerações finais Tais resultados apontam para a importância da implementação e valorização de práticas decoloniais nos serviços de saúde, tais como o apoio ao livre exercício das religiões de matriz africana, atividades que levem em consideração as matrizes de opressão que atravessam as existências das mulheres negras e a necessidade de produzir autonomia com liberdade e equidade, na contramão da colonialidade do gênero. O campo da Saúde Coletiva tem, dessa forma, a urgência de se debruçar sobre esta temática, de modo a construir com estas mulheres conhecimento que possa fundamentar estratégias e ações em saúde, com destaque para a saúde mental, nos moldes de uma Reforma Psiquiátrica Antimanicomial que se proponha também a ser antirracista e feminista.
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