Outras Linguagens

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
OL8 - Potencialidades e desafios das linguagens da ORALIDADE e da ESCRITA para pensar o cuidado como práxis decolonizadora

47265 - CAMINHOS QUE SE FAZEM CAMINHANDO
THAIARA DORNELLES LAGO - UFSC


Processo de escolha do tema e de produção da obra
Essa carta foi escrita por mim, durante o período em que estive como Residente em Saúde junto ao Programa de Residência Multiprofissional de Saúde da Família com ênfase nas Populações do Campo (REMSFC) da Universidade de Pernambuco, no qual fiz parte da turma 6 do programa que iniciou sua experiência em março de 2020, junto à chegada da pandemia de COVID-19 em solo brasileiro. A REMSFC atua em territórios rurais dos munícipios de Caruaru e Garanhuns, no agreste Pernambucano.
Parti da nossa experiência coletiva como turma que, já m 2021, havia acolhido a turma 7, chegada um ano depois do nosso começo, para produzir sentido a partir da minha vivência singular. Afetada por esses cruzamentos de início-meio-começo, da circularidade dos processos, me vi junto aos colegas chegando na Residência, cheios de inquietações. Então acessei a memória do caminho até aquele estar Residente do segundo ano (R2), sobre o que havíamos construído nesse fazer Saúde do Campo junto as nossas comunidades para atuar diante daquele cenário que só realçou as desigualdades que enfrentamos historicamente no Brasil, sobretudo quando pensamos na realidade do campo brasileiro. Me lembrei do que nos sustentou e acessei os gestos de cuidado que cotidianamente aprendíamos com o povo do campo. Senti que precisava comunicar, compartilhar. Assim, nasceu esse escrito-memória.


Objetivos
Refletir sobre o estar Residente em Saúde do Campo, durante uma pandemia, diante de todo o contexto sanitária, social e político que nos encontrávamos.

Ano e local da produção
Julho de 2021, Garanhuns, Pernambuco.

Análise crítica da obra relacionada à Saúde Coletiva e ao tema do congresso
Escrever, para mim, é um cuidado em saúde. Assim sendo, foi um modo que encontrei para atravessar e sobreviver a pandemia e ao pandemônio. Ao longo dos meus dois anos de residência produzi alguns escritos, poemas, cartas, registros, para dar sentido ao vivido naquele tempo pandêmico onde tudo parecia isolado, ultraveloz de informação, difuso, confuso. Escrevi para suportar os ataques à vida da necropolítica, os ataques ao SUS, o fim das equipes multiprofissionais orientadas pelo modelo territorial do NASF.
Escrevi para construir memória do que vivíamos, de como sentíamos aquele momento de total não-saber. Momento em que a coragem nos SUStentou para não paralisar. Mesmo sem saber o caminho, nos colocamos à disposição do nosso povo para caminhar.
Refleti sobre as bases que sustentavam o projeto político pedagógico da REMSFC, que foram nosso fundamento para encorajar os primeiros passos. A Educação Popular em Saúde foi nossa companheira, nos ensinou a pedir licença para chegar em nossos territórios de atuação. Nos trouxe o ritmo da escuta, da vivência, da sensibilidade do sentimento que salta aos olhos, por de trás das máscaras que nos protegiam do invisível. A partir dela e dos instrumentais do trabalho em saúde da família, construímos ações de cuidado e projetos interprofissionais e interculturais que cuidaram de nós e do nosso povo.
Lado a lado, valorizando a potência e a ciência dos encontros que nos eram como faróis, produzimos possibilidades de cuidado em saúde orgânicas aos nossos territórios e ao momento que vivenciávamos, onde nós, profissionais do SUS estávamos também vulnerados, à mercê de um Ministério da Saúde negacionista e militarizado. Ao nos colocarmos ao lado do nosso povo, também fomos cuidados. Nos olhares que contavam histórias, no feijão de corda a nós presenteado como forma de cuidado, no café passado na visita pra fortalecer o caminho, na gira de Dona 7 encruzilhadas que renovava nosso axé e nossa fé de que a vida é movimento. De que sábio, é o tempo. E que amanhã, haveria de ser outro dia.
Mesmo diante de um cenário difícil dos programas de residência a nível nacional, com falta de pagamento das bolsas e deslocamentos de função nos serviços e, a nível local, em nosso programa que enfrenta as mesmas dificuldades históricas que o povo camponês enfrenta, como a dificuldade de transporte e falta de estrutura da rede de ações e serviços de saúde que considerem a realidade do território rural, nós conseguimos encontrar frestas onde a produção de educação e cuidado em saúde reafirmou nosso compromisso com a emancipação política e coletiva junto às nossas comunidades.



Formatos e suportes necessários referentes à apresentação
Não são necessários.

Breve biografia do autor
Gaúcha da fronteira-oeste da cidade de São Borja. Farmacêutica graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina, (UFSC-2017). Atuou no SUS, durante a pandemia, em territórios rurais e quilombolas junto aos movimentos sociais do campo e da Universidade de Pernambuco. Educação, Comunicação e Saúde, Arte e Cultura ganharam espaço no seu fazer profissional e passaram a atravessar seu trabalho. Atualmente é Mestranda o Programa de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina.