Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC9.2 - Racismo, formação e saúde II

48036 - DECOLONIALIDADE, RAÇA, GÊNERO E SEXUALIDADE: INVESTIGANDO DESLOCAMENTOS TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICOS NO CAMPO DO CURRÍCULO EM SAÚDE
CARLOS EDUARDO COLPO BATISTELLA - EPSJV/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A centralidade que o currículo tem adquirido nas últimas décadas evidencia seu valor estratégico tanto para a conservação quanto para a mudança cultural. Na saúde, a busca pela reorientação do modelo de atenção é uma das agendas prioritárias do campo, traduzida em propostas de mudança na formação. As disputas pela significação do que vem a ser o trabalho e o trabalhador da saúde têm sido travadas tanto na produção de diretrizes curriculares nacionais como na definição de perfis de competências, programas de formação, projetos de extensão, estágios, residências etc. Nesse cenário, o reconhecimento de que as marcas de raça, etnia, gênero e sexualidade são produtoras de grandes iniquidades em saúde tem apontado a necessidade de descolonizar as práticas e a formação dos profissionais. Este trabalho nasce da necessidade de se avançar na compreensão de como as pesquisas produzidas na interface entre a formação em saúde e as abordagens descoloniais de raça, etnia, gênero e sexualidade têm se apropriado do campo do currículo. Parte do pressuposto de que a introdução destes debates tem potencial para promover deslocamentos importantes no campo da formação em saúde, desconstruindo as leituras hegemônicas que naturalizam o currículo como grade de disciplinas e seleção de conteúdos.

Objetivos
Este trabalho teve como objetivo investigar as formas como as pesquisas do campo da formação em saúde tem significado o currículo nos debates sobre decolonialidade, relações étnico-raciais, de gênero e sexualidade. Procura identificar seus enquadramentos teórico-epistemológicos, abordagens metodológicas e principais deslocamentos.

Metodologia
Trata-se de uma meta-pesquisa sobre artigos produzidos na interface da formação em saúde e abordagens descoloniais de raça, etnia, gênero e sexualidade, publicados em periódicos brasileiros indexados na base Scielo, no período de 2002 a 2022. Para além de apontamentos bibliométricos das principais tendências, dá destaque às filiações e deslocamentos teórico-epistemológicos que os artigos promovem no campo do currículo em saúde. Segundo Mainardes (2018), a metapesquisa difere da revisão de literatura, revisão sistemática, estado da arte, estado do conhecimento e é orientada e engajada com os avanços da pesquisa na disciplina (área ou campo).

Resultados e discussão
Uma primeira análise do conjunto de artigos selecionados aponta para o crescimento significativo dessa produção nos últimos cinco anos. Identificou-se maior concentração em periódicos de saúde pública, seguida por revistas dedicadas à educação profissional em saúde. Há um número mais expressivo de artigos dedicados às temáticas de gênero e sexualidade em relação àquelas que abordam as relações étnico-raciais ou as abordagens descoloniais. Predominam as análises de implementação de políticas, propostas de disciplinas e projetos de extensão ou ainda os estudos que defendem a inclusão de determinados conteúdos e disciplinas consideradas relevantes. Ainda que o forte incremento de artigos publicados nos últimos anos indique um movimento de interpelação do monolinguismo dos currículos na área da saúde, parte dos estudos analisados permanecem vinculados às tradições curriculares normativas, com foco no conhecimento e no planejamento. É hegemônica a visão de currículo como grade ou arranjo de conteúdos que devem ser implementados para que se promova a melhor formação dos profissionais. Visto dessa maneira, o currículo encerra a possibilidade de significação e passa a ser algo a ser implementado, restringindo os espaços de poder de decisão curricular.

Conclusões/Considerações finais
As discussões de raça, etnia, gênero e sexualidade tem produzido importantes movimentos de des-sedimentação de significados hegemônicos e enquadramentos normativos nos currículos da formação em saúde. No entanto, os estudos curriculares parecem ainda muito ligados à enfoques prescritivos que buscam instituir os fundamentos da formação, o melhor conhecimento ou as melhores estratégias pedagógicas. Se o currículo encontra sua completude na definição de conteúdos, conhecimentos e planos, cessa a disputa por essa encarnação e a política para construir tal significação torna-se restrita a um momento anterior à definição curricular. Argumenta-se que não é possível descolonizar os currículos sem questionar a própria violência colonial do universalismo curricular, traduzido em bases nacionais comuns ou em tentativas de fixar os fundamentos das práticas. Em sentido contrário, defendo um currículo outro, possível apenas a partir da contingência dos encontros com a alteridade, espaço-tempo no qual a política se realiza, um currículo da relacionalidade.