Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC9.2 - Racismo, formação e saúde II

48251 - REFLEXÕES SOBRE A ABORDAGEM DO RACISMO E SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA NO INTERNATO DE MEDICINA EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM SALVADOR/BAHIA
MARCUS VINICIUS SACRAMENTO FRANÇA - ISC/UFBA, GUTIERRY MOURA NERY CAMPOS - UNIFACS, IAN FELIPE MARIANO GONÇALVES - UNIFACS, MARCOS VINICIUS CASTRO SOUZA - UFBA, BIANCA BEATRIZ SANTOS DE SOUZA - ISC/UFBA


Contextualização
Apesar das diretrizes difundidas com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), observa-se pouco conhecimento de profissionais de saúde e graduandos da área sobre a influência do racismo na saúde de pessoas negras. Adicionalmente, evidencia-se iniquidades raciais em diversos agravos de saúde em nosso país. A carência de discussão sobre essa problemática no espaço acadêmico e na assistência pode relacionar-se ao pacto narcísico da branquitude e suas influências construídas e perpetuadas historicamente. Diante disso, há necessidade de refletir estratégias de enfrentamento para modificar a complexa realidade das populações raciais mais vulneráveis.


Descrição
Realizou-se oficinas com acadêmicos de medicina abordando temas relacionados a população negra. Utilizou-se a metodologia da problematização, com observação da realidade e seus principais pontos, teorias, hipóteses e reflexão sobre possibilidades de enfrentamento. Resgatou-se os conceitos de raça, constituição do racismo, racismo institucional, saúde da população negra e o papel da academia e dos profissionais de saúde na reprodução e na redução de iniquidades raciais. Em cada estágio, um grupo foi responsável por conduzir a discussão sobre a temática, sob supervisão de um preceptor médico de família e comunidade. A experiência ocorreu desde abril/2022, com 09 turmas compostas por 04- 06 internos, com duração de estágio de 04-06 semanas na USF.

Período de Realização
Abril/2022 até os dias atuais

Objetivos
Relatar e discutir a experiência sobre inserção da temática racismo institucional em saúde no internato de medicina de família e comunidade (MFC) em uma unidade de saúde da família (USF).


Resultados
Os estudantes envolvidos apontaram para carência de abordagem dessa temática na formação acadêmica teórica, com exceção, de discussão episódica sobre Doença Falciforme, entretanto sem contemplar o racismo que atravessa essa patologia. As discussões foram avaliadas de forma positiva para compreensão do conceito de raça, racismo e suas implicações na saúde do indivíduo e da comunidade. Além disso, julgaram ser necessário abordagem dessa temática desde ciclo básico da graduação e em outros campos de estágio de MFC. Os estudantes referiram não saberem sobre a obrigatoriedade do preenchimento da raça/cor e sua importância em fichas de notificação.

Aprendizados
A discussão sobre racismo institucional em saúde mostrou-se importante para humanização, desmitificação e reconhecimento das implicações relacionadas a discriminação por raça/cor na determinação do processo de saúde-adoecimento da população negra. Dessa forma, há urgência de discussão desses temas em graduações em saúde, o que pode ser catalisado de inserção de profissionais comprometidos com o resgate da dignidade e dos direitos da população negra no corpo docente e em instituições gestoras. Ações intersetoriais entre o Ministério da Saúde e da Educação são necessárias para mudar essa realidade.


Análise Crítica
O conceito de raça forjado no período de expansão mercantilista embasou a exploração e desumanização de povos do sul por meio da ideologia do racismo, o qual sofreu modificações, ao longo da história. Dessa forma a sociedade brasileira constituiu-se no racismo, estrutural e estruturante, reproduzidos em diversas instituições, como na saúde. Este último determina iniquidades étnico-raciais com piores indicadores epidemiológicos em saúde e condições de vida para negros. Assim, há necessidade de criar espaços de discussão, envolvendo prestadores dos serviços de saúde e futuros profissionais para compreender essa realidade e estimular atitudes e práticas antirracistas e inclusivas. A universidade, enquanto formadora de profissionais de saúde, apresenta papel central na construção de atitudes, práticas e processos de trabalho antirracistas. No entanto, mesmo com a existência da política há mais de uma década, observou-se desconhecimento e extrema fragilidade na abordagem de racismo e saúde. Ideias relacionadas ao mito da democracia racial, meritocracia e influência da classe social (e não da raça) na saúde foram elencados nas discussões, o que reflete as justificativas engendradas pelas elites sócio-econômicas e intelectuais na sociedade brasileira para escamotear o racismo. A carência de discussões na academia relatada pode estar relacionada ao desinteresse em abordar o racismo enquanto determinação de iniquidades raciais e tentativa de manutenção de privilégios. Pois, as narrativas de instituições versam sobre seu universo, que é majoritariamente branco na saúde, desconsiderando a diversidade dos sujeitos racializados. Dessa forma, a experiência da branquitude é tida como universal e não se observa o interesse de centralizar discussões no processo social do adoecimento de pessoas pretas e pardas. Trata-se do “pacto de cumplicidade não verbalizado”. Além disso, a falta do preenchimento da cor autodeclarada impede o reflexo de iniquidades étnico-raciais em saúde por meio de dados epidemiológicos, repercutindo negativamente em políticas equitativas.