46799 - APS PELAS LENTES DA COMUNICAÇÃO E SAÚDE: LEITURA POR UM CAMPO QUE É EM SI DECOLONIAL WILSON COUTO BORGES - FIOCRUZ
Apresentação/Introdução É inegável a importância da construção do campo da Saúde Coletiva (SC) para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, e não sem tensões, observa-se uma hegemonia do modelo biomédico e da forma como as Humanidades são “convocadas” a participar. Com essa perspectiva, muitas vezes, a Comunicação é tomada como instrumento, estratégia, ferramenta que, usada da “maneira certa”, pode contribuir para uma melhora nas condições de saúde da população. Embora não exploremos nesse espaço as distinções entre o que significaria uma comunicação para a saúde, comunicação na saúde, ou ainda, comunicação da saúde, advogamos que a defesa da Comunicação e Saúde (CeS), especialmente a partir da incorporação de um pensamento latino-americano, é em si a recusa de uma série de paradigmas incorporados desde o Norte. Paralelamente, nota-se certo protagonismo das análises de conteúdo e de discurso na CeS, cuja ênfase recai sobre o jornalismo (uma metonímia da mídia) como lócus de investigação da interferência dos meios na vida social. Assim, neste trabalho, utilizaremos o instrumental metodológico da Narratologia, buscando identificar como processos de interpelação são produzidos. Para tanto, recorreremos não apenas à cobertura jornalística sobre a Atenção Primária à Saúde (APS), mas a outras materialidades, dentro daquilo que compreendemos como complexo midiático. Ou seja, o conhecimento que as pessoas possuem sobre determinado tema/assunto não provem apenas das construções narrativas presentes na imprensa, mas de uma série de outras texturas (como obras literárias, sonoros, cinematográficas) a partir das quais a população também se apropria e atribui sentidos à sua ação no mundo.
Objetivos Analisar como a designação APS é objeto de disputas e está imersa em narrativas cuja homofonia e homologia acionam memórias que são compartilhadas socialmente, interferindo na maneira como sujeitos sociais empregam sentidos sobre o mundo e, portanto, sobre cuidado e saúde. Assim, a APS não é apenas uma sigla, ela é evidência do quanto a dinâmica da dominação se expressa no processo de comunicação.
Metodologia Metodologicamente, usamos a Narratologia como aporte metodológico interdisciplinar na CeS capaz de capturar os sentidos presentes nas narrativas produzidas pelos jornais, como a Folha de São Paulo, e por obras cinematográficas, como A Mulher Rei, que emolduram rastros históricos, pistas significativas, relações de disputa, temporalidades e espacialidades, além das noções de saúde e doença que se revelam verdadeiros sintomas sociais. Analiticamente, não estamos apenas diante de formas distintas de se construir enunciados, mas de poderosos processos de interpelação que, produzidos na longa duração tornam-se elementos de sutura entre uma narrativa produzida e a forma como sujeitos sociais se identificam ou se projetam a partir daqueles estímulos.
Resultados e discussão Como principais resultados, podemos apontar: (a) não estão nas chamadas fake news – designação mais contemporânea para aquilo que já se nomeou em outros momentos como ruídos, boatos – a explicação para que processos de atenção à saúde não estejam se efetivando; (b) a maneira como se subalterniza parte da população funciona como obstáculo ao direito à Comunicação, assim como o direito à Saúde; (c) a forma como povos colonizados são representados acabam por fazer com que haja narrativas que busquem legitimar que seres humanos ainda sejam usados como objeto de pesquisa; (d) tais narrativas operam como elementos de sutura entre as formas como as pessoas se veem no mundo e a maneira como elas empregam sentido às suas ações; (e) independentemente da plataforma por onde circula uma narrativa, ela é resultado daquilo que podemos compreender como matiz do realismo fantástico.
Conclusões/Considerações finais Desde a pandemia de Covid-19, uma das questões de pesquisa que mais tem nos mobilizado é a que envolve a relação true x fake news, informação x desinformação, produzindo impactos significativos sobre a relação das pessoas com a doença. Ao se observar o que sabe a população sobre a Atenção Primária à Saúde ou a redução das coberturas vacinas em nosso país, sob a perspectiva biomédica, o tripé fake news-desinformação-negacionismo emerge como categoria explicativa carecendo, para sua solução, “apenas” outro tipo de vacina: com aquela agulha que levaria informações confiáveis capaz de esclarecer e iluminar nossa sociedade, atualizando aquelas teorias behavioristas cuja agulha hipodérmica seria capaz de “entrar na pele” do indivíduo, alterando seu comportamento. Ora, mas e quando um gigante da indústria farmacêutica passa a ter uma pílula para a cura de uma doença, ainda assim as pessoas correriam para se imunizar através da vacinação? Quando observamos tal fenômeno desde a CeS, somos instados a buscar respostas não necessariamente naquilo que está expresso em páginas ou telas, mas num processo de formação social mais amplo que, no caso investigado, nos catapultaria para o século XIX, cuja colonização e escravidão trazem pistas valiosíssimas.
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