45983 - SENTIDOS DO TRABALHO DA LIMPEZA: DESAFIOS DE CLASSE E RAÇA PARA UMA ESCUTA NÃO OBJETIFICADORA CAMILA FURLANETTI BORGES - ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO, MARCIA CAVALCANTI RAPOSO LOPES - ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO
Contextualização Apresentamos a construção da abordagem metodológica para pesquisa "Sentidos do trabalho da limpeza”, que analisa como trabalhadoras da limpeza de uma escola constroem sentido para suas atividades cotidianas no trabalho. Pensamos trabalho como produção de si, do mundo e de transformações de um mundo comum (Lhuillier, 2014). Logo, situar as participantes implica assumir a racialização das relações e os desafios da abordagem metodológica: nós autoras, formadas no usufruto da branquitude (Schucman, 2020), somos professoras-pesquisadoras onde acontece a pesquisa, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).
Buscando cuidar das relações e dos trabalhadores no retorno ao trabalho presencial em decorrência da pandemia, diversas iniciativas foram propostas na EPSJV. Entre estas, a massoterapia, ofertada desde março de 2022 àqueles sobre os quais recaem maior carga física de trabalho e menores salários. Cada inscrito recebeu 1 hora de massoterapia por 4 semanas, no horário de trabalho. Depois disso, eram convidados para rodas de conversa, onde as questões dialogadas tocaram, quase sempre, na invisibilidade e na falta de reconhecimento sobre seus trabalhos. Mas tanto o espaço coletivo quanto o da massoterapia, individualizado e ensejando maior intimidade, possibilitaram escutar especialmente das trabalhadoras da limpeza relatos intensos de sobrecarga, dor física e problemas de saúde. E também falas sobre histórias e expectativas de vida. Daí surge a pesquisa “sentidos do trabalho da limpeza”.
Descrição Nos apresentamos em uma sociedade marcada pela divisão de classe, sexual e racial do trabalho: temos formação profissional avançada e forjada por uma academia tradicionalmente reprodutora da relação sujeito-objeto, privilegiado-subalterno no processo de hegemonização da ciência moderna. Trabalhamos no mesmo espaço físico, pertencemos à mesma comunidade escolar, mas habitamos territórios distintos daquelas “trabalhadoras da limpeza”, cujo perfil é predominantemente de mulheres negras, cujo corpo “é o próprio território de pertença” (Reis, 2019:16).
Na relação entre as protagonistas, temos como “dado” uma distância que se manifesta em diversos aspectos, da cor da pele até vocabulário, organização da fala e simbolização do mundo vivido. Ao pensarmos a técnica de pesquisa mais adequada, pareceu-nos que as clássicas - entrevista, grupo focal, etc. – tendem a reproduzir distâncias próprias do modo colonialista.
Período de Realização Desde fevereiro de 2023.
Objetivos Desde nosso lugar, problematizar como construir conhecimento menos “sobre” e mais “com” essas mulheres.
Resultados Nos inspiramos em Beatriz Nascimento, para quem o corpo negro "seria o grande guardião da memória e o indivíduo seria sujeito e objeto de si mesmo. Os corpos dos negros espelhariam entre si e os corpos se reconheceriam (...). Essa construção se dá tanto pela visão dos semelhantes quanto pela audição das histórias a respeito de si mesmo” (Reis, 2019:16-7).
Segundo Schucman, em geral, certas experiências de sujeitos brancos e negros só são ditas a pesquisadores brancos e negros respectivamente. Mas por outro lado, “vivências de situações conjuntas são (...) facilitadores que podem deslocar os brancos de seu lugar de norma e hegemonia para o território do sujeito que assume sua condição de racializado, passo essencial para a ressignificação das relações raciais” (2020:23). Propomos, então, um retorno àquele momento que parece ter sido de abertura para outro espaço de fala e de escuta, daquelas mulheres e de nós mesmas.
Recuperamos a massoterapia não mais como espaço individualizado, mas coletivo, como estratégia de com-vivência. Resulta uma proposta de compartilhamento de massagem, nas mãos e nos pés, durante rodas de conversa – sobre temas relativos aos objetivos da pesquisa –, perturbando a relação pesquisador-pesquisado, produzindo estranhamento. Evocado como reação espontânea àquilo que se apresenta como esperado, mas também como metodologia: esforço deliberado de construir questionamentos àquilo que é naturalizado, buscando contradições e outro modo de reconhecer o mundo.
Aprendizados Trata-se de abordagem metodológica que, de partida, problematiza e busca lidar com as distâncias próprias do modo colonialista de construção do conhecimento. Nesse aspecto, aprender sobre o lugar de branquitude científica e se colocar o desafio de re-posicionamento é um conhecimento a ser produzido ao pesquisar.
Análise Crítica A massagem não rompe relações de poder históricas, concretas e simbólicas, mas tem potência de deslocar posições por um momento, e de favorecer que todas nos recoloquemos a partir do estranhamento.
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