Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC6.2 - Territórios racializados na saúde e na educação

46307 - ATENÇÃO PSICOSSOCIAL E O ATLÂNTICO NEGRO: AVALIAÇÃO DA AÇÃO PÚBLICA EM SAÚDE MENTAL EM TERRITÓRIOS RACIAIS ANCESTRALIZADOS NO ESTADO DO CEARÁ
FRANCISCO ANDERSON CARVALHO DE LIMA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, ALCIDES FERNANDO GUSSI - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, CARMEM EMMANUELY LEITÃO ARAÚJO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ


Apresentação/Introdução
O delineamento da política nacional de saúde mental brasileira inscreve universalismos atrelados à constituição de uma identidade nacional configurada no sexismo, elitismo e racismo no movimento modernizador pós-abolição, engendrando elementos de antinegritude que atualizam a colonialidade nos aspectos institucionais das políticas públicas por meio da perpetuação de um sentido de escravidão sobre o corpo negro.

Objetivos
Objetivamos, neste relato de pesquisa, situar discussões no campo da Saúde Coletiva tomando por base elementos empíricos de processos de pesquisa realizados em territórios raciais ancestralizados no Cariri cearense e na região metropolitana de Fortaleza, que objetivou mobilizar as categorias de Atlântico Negro, atenção psicossocial, colonialidade e racialidade, em uma avaliação da ação pública em saúde mental no estado do Ceará.

Metodologia
Para fundamentar o processo teórico-metodológico para a pesquisa, nos situamos em uma perspectiva descolonial afrodiaspórica, por meio de uma opção descolonial avaliativa inspirada na abordagem antropológica de avaliação de políticas públicas, na avaliação Made in Africa, na metodologia de pesquisa originária e afrodescendente, no quilombismo e em perspectivas teóricas afropessimistas. Foram realizadas entrevistas com profissionais e usuários dos serviços de saúde, análise de documentos e dados secundários sobre a implementação da atenção psicossocial, observação participante e incursões etnográficas em uma perspectiva multissituada no período de novembro/2021 a dezembro/2022 em territórios raciais ancestralizados, a fim de compreender as relações entre a ação pública em saúde e sua instrumentalidade na implementação da atenção psicossocial.

Resultados e discussão
Dentre os elementos empíricos de experiência da política produzidos em etnografias apresentados neste relato de pesquisa, discutimos: “as políticas públicas não existem para as mulheres negras”, experiência social de uma mulher negra quilombola em situação de violência doméstica no acesso à atenção psicossocial, deparando-se com um desamparo público fundamental balizado em uma experiência de antinegritude, que em nossa interlocução analítica, mobilizamos a noção de corpo-território e situamos processos de pertencimento, autorreconhecimento e identidades ancestralizadas, discutindo noções de cuidado, intersetorialidade e acesso no campo da atenção psicossocial; e Pele Branca, Jalecos Brancos: identidades e percepção racial de profissionais de saúde brancos na Atenção Primária em Saúde em comunidades quilombolas e em serviços de Atenção Psicossocial Especializada, no qual mobilizamos a (de)composição de uma cena racial materializada no cotidiano de serviços do SUS e na autopercepção de profissionais de saúde brancos em processos de cuidado com pessoas negras advindas de territórios raciais ancestralizados em comunidades negras urbanas e rurais. A partir destes elementos, situamos a discussão sobre a experiência da política de saúde mental e atenção psicossocial implementadas enquanto ação pública nos territórios estudados. Observamos que a ação pública se esgueira em princípios e diretrizes de equidade que não se materializam no cotidiano de comunidades negras ancestrais. Há um espaço invisibilizado entre o delineamento da política pública e a emancipação dos povos negros no Brasil, materializado em situações locais e localizadas com fulcro nos processos pós-abolição que fundamentam a formação do Estado-nação brasileiro enquanto projeto. Articulando esses elementos, visualizamos a experiência de antinegritude, que ao mesmo tempo em que nega a condição de sujeito do corpo negro, o inclui na constituição da modernidade pública em situação de desamparo fundamental por meio da inscrição da violência colonial em regimes de escravidão perpétua, apontando elementos para o reordenamento da política e a necessária fundação de uma atenção psicossocial quilombista e conjuração da violência colonial. Ademais, a experiência social de profissionais brancos em processos de cuidado nos componentes de saúde estudados, anunciam a mobilização da racialidade enquanto arquivo, sujeito e cenas raciais para compor um código colonial que fundamenta a formação e a instrumentalidade em saúde, atualizando regimes de colonialidade conformados no racismo institucional.

Conclusões/Considerações finais
Por fim, como desdobramentos analíticos, observamos que a opção descolonial de avaliação de políticas públicas aliada aos elementos anunciados que fundamentam a composição teórico-metodológica e epistemológica da pesquisa, anunciam uma abordagem calcada em processos de aliança política no desvelamento dos processos de branquitude que balizam um código colonial, apontando caminhos para o campo da Saúde Coletiva. No Brasil, o trauma colonial inscreve a neurose cultural fundada em uma fabulação racial que enseja vicissitudes de uma produção de subjetividade que engendra e contingencia fenômenos como o sexismo, elitismo e racismo como questão antimanicomial, a ser desdobrada no âmbito da ação pública.