Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC6.2 - Territórios racializados na saúde e na educação

46665 - TRAJETÓRIA HISTÓRICA, MOTIVAÇÕES E EXPERIÊNCIAS PARA PERMANÊNCIA NO CURSO DE MEDICINA: DEZESSEIS ANOS DE PRESENÇA INDÍGENA EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA
VANDICLEY PEREIRA BEZERRA - UFSCAR, JULIA MARTINS DA CONCEIÇÃO - UFSCAR, KARLA CAROLINE TEIXEIRA - UFSCAR, BRENNO KARLLOS ALVES FEITOSA MENEZES DE SÁ - UFSCAR, RANIEL MARTINHA DE SOUZA - UFSCAR, RONY DA CONCEIÇÃO GOMES - UFSCAR, LEONNARDO DE SOUZA MELO FERREIRA - UFSCAR, WILLIAN FERNANDES LUNA - UFSCAR, CECILIA MALVEZZI - UFSCAR


Apresentação/Introdução
No Brasil, no século XXI, estratégias foram sendo criadas a partir de demandas dos movimentos sociais, culminando com a implantação de ações afirmativas em algumas universidades. Essas ações têm buscado desconstruir assimetrias no ensino superior público, promovendo a diversidade nos cursos, assegurando direito de acesso às populações que habitualmente estiveram excluídas desses espaços de formação, provocando possibilidades de diminuir as desigualdades sociais. Uma universidade pública do interior de São Paulo iniciou ações afirmativas em 2007, incluindo vagas suplementares para indígenas em todos os cursos de graduação, com realização de um vestibular específico. Desde então, neste curso de graduação em medicina tem havido a presença de indígenas. Historicamente, as escolas médicas têm sido compostas em sua maioria por pessoas brancas e de classe social mais favorecida, com pouca presença de indígenas.


Objetivos
Compreender o perfil dos indígenas, estudantes de Medicina, a trajetória histórica e as vivências relacionadas à permanência no curso da instituição.


Metodologia
Trata-se de uma pesquisa de abordagem quanti-qualitativa. Realizou-se o mapeamento dos indígenas que ingressaram de 2007 a 2023, por meio de documentos institucionais. Efetuou-se contato individual, via redes sociais e telefone, com convite para participar da pesquisa. Totalizaram-se 12 participantes da pesquisa, com utilização de questionário, entrevistas individuais e roda de conversa.


Resultados e discussão
Até o momento, 15 indígenas ingressaram, por meio da vaga suplementar, no curso de Medicina. Não houve ingresso de indígenas por meio da Lei nº 12.711/2012, conhecida como lei de cotas em universidades federais destinada a egressos de escolas públicas, estudantes de baixa renda, negros e indígenas. Os ingressantes tinham idade entre 17 a 42 anos, sendo 10 homens e 5 mulheres, três deles com filhos ao ingressarem. Quanto à origem, 9 de Pernambuco, 2 do Amazonas, 2 do Espírito Santo, 1 do Acre, 1 de Alagoas e 1 de São Paulo. Dos povos: Pankará, Jeripancó, Xucuru de Cimbres, Huni-Kuin, Tikuna, Tariano, Tupinikim, Pankararu, Atikum-Umã e Xucuru de Ororubá. Concluíram o curso 6 dos ingressantes, 6 estão atualmente na graduação e 3 se desligaram antes de se graduarem. Foram analisadas quatro categorias temáticas de conteúdo: motivações para ingresso no curso; dificuldades na escola médica; experiências de desistência; permanência na graduação. As motivações para estudar medicina na instituição foram diversas, sendo citados o desejo de desenvolvimento pessoal, o compromisso com a comunidade e a possibilidade de adentrar à instituição devido às ações afirmativas. Durante a pandemia de COVID-19, a realização de atividades não presenciais possibilitou vários cenários de vivência universitária: cursar medicina, de forma remota, junto de suas famílias; outros permaneceram na cidade da instituição e vivenciaram a pandemia praticamente isolados de seus familiares; dois indígenas ingressaram e uma concluiu o curso no período pandêmico. Dentre as dificuldades vivenciadas por indígenas em diferentes momentos do curso, foram descritas as relacionadas à metodologia do curso, à fragilidade na formação básica, ao distanciamento da família e às econômicas. Houve momentos em que pensaram em desistir da graduação, mas destacaram que algumas foram as estratégias para permanência, como: apoio institucional por meio de bolsas, acompanhamento pedagógico, professores apoiadores da causa indígena, participação em projetos de extensão e pesquisa, participação no Programa de Educação Tutorial (PET) Indígena, apoio dos estudantes indígenas do curso de medicina, de colegas não-indígenas do curso de medicina e do coletivo de indígenas da instituição. A partir de sua presença e com seu protagonismo, houve desenvolvimento de atividades de ensino e projetos de extensão e pesquisa no campo da saúde indígena, campo largamente invisibilizado nos cursos de graduação em medicina.


Conclusões/Considerações finais
Percebeu-se que as ações afirmativas têm sido fundamentais para acesso de indígenas no curso de medicina da instituição, bem como é necessária a manutenção e ampliação dos programas de permanência. As experiências vivenciadas pelos indígenas revelaram, ainda, potencialidades relacionadas às trajetórias individuais, bem como a importância da coletividade entre os indígenas do curso de medicina e com os demais indígenas da instituição. Assim percebe-se que há necessidade de reconhecer as estratégias de permanência enquanto ações nos âmbitos econômico, pedagógico e simbólico. Conhecer essas experiências favorece a identificação de fragilidades e possibilita avançar nas ações afirmativas deste curso de medicina, bem como inspirar outras instituições. A presença dos indígenas tem provocado, gradualmente, construções iniciais para repensar as relações interculturais no campo da saúde dos povos indígenas.