03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC5.3 - Racismo, marcadores sociais e o cuidado em saúde |
46677 - RACISMO ESTRUTURAL E SISTEMA PRISIONAL: UM ESTUDO SOB A PERSPECTIVA DA SAÚDE PRISIONAL E ARTETERAPIA EM UMA INSTITUIÇÃO CARCERÁRIA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO AMANDA MARINHO PINHEIRO - SECRETARIA DE SAÚDE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, CLARICE RIZZI LAGE - SECRETARIA DE SAÚDE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, ANA CAROLINA DE FREITAS CAMPOS - SECRETARIA DE SAÚDE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Contextualização A questão do racismo estrutural ainda atravessa inúmeras esferas da vida cotidiana brasileira. No que corresponde ao regime penitenciário, algumas análises se fazem necessárias para o entendimento do fenômeno da institucionalização em massa da população negra no sistema prisional.
Descrição Este relato tem como proposta discorrer sobre esse fenômeno a partir da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP). A política foi criada em 2014, implementada no Rio de Janeiro em 2020 e ampliada em 2022 e tem como princípios os direitos humanos, justiça social, garantia de direitos, equidade, promoção da saúde, integralidade da atenção à saúde da população privada de liberdade, entre outros.
Período de Realização O relato de experiência apresentado aqui adveio do trabalho com a arteterapia realizado por uma equipe de saúde da Atenção Primária Prisional na cidade do Rio Janeiro desde novembro de 2022 até o momento.
Objetivos A partir do trabalho em curso visa-se compreender os atravessamentos que contribuem para a perpetuação do racismo institucional e escravização moderna da pessoa preta, e a partir dessa análise, pensar propostas de enfrentamento à nível social e estatal que possam ajudar a transfigurar o cenário do sistema prisional da realidade brasileira, especialmente do município do Rio de Janeiro.
Resultados A unidade prisional onde é realizado o trabalho é um presídio masculino de porta de entrada e passagem onde a permanência é por até 90 dias. Por isso, alguns recursos não fazem parte da instituição, como escolas, bibliotecas, espaços para lazer, aprendizado e trabalho.
Além da precariedade de alguns direitos básicos previstos em constituição como saúde, educação, lazer e etc (BRASIL, 1988), há queixas comuns relatadas nos atendimentos em saúde, como a insônia, ansiedade e ociosidade. Foi a partir dessas percepções que surgiu a ideia da criação de uma biblioteca livre dentro da unidade de saúde.
A partir de doações de livros e materiais, a biblioteca foi ganhando espaço na instituição prisional. O empréstimo de livros foi ganhando adeptos, leitores e admiradores. Foi quando percebeu-se que a disponibilização de livros já não era o suficiente. Então surgiu a ideia de realizar uma oficina literária, um grupo semanal para discutir as leituras, produzir textos, cartas, escritas que de alguma forma trouxessem a reflexão dos seus dias dentro da prisão, seja das histórias dos livros ou da história pessoal de cada um.
Aprendizados Durante as oficinas literárias foi percebendo-se que o grupo extrapolava o seu objetivo de ser apenas uma oficina. Foi se tornando um lugar de cuidado, de segurança, de conforto e de acesso aos serviços de saúde. Por se tornar um lugar de confiança, se tornou também um lugar de histórias. É a partir da interlocução da análise dessas histórias, textos e cartas produzidas e reproduzidas através do grupo, dados da PNAISP e revisão de literatura, que o trabalho vai se sustentando e fazendo sentido não só para os profissionais, mas para os pacientes que recorrem a esse lugar como uma brecha no sistema para uma tentativa de mudança.
Análise Crítica Michel Foucault descreve em vigiar e punir (2014) que os modos de punições foram se reinventando ao longo da história. O autor faz uma análise do sistema da justiça criminal atual e afirma que foi a partir de transformações políticas e sociais ocorridas principalmente durante os séculos XIV e XVIII que chegamos ao modo de punição e controle social que vivemos na atualidade. De acordo com o autor, a sofisticação dos modos de punição é como uma espécie de maquiagem para a barbárie que ainda acontece nas instituições carcerárias.
A facilidade de institucionalizar pessoas pretas está em todo lugar, nos diferentes tipos de institucionalização, seja nas cadeias, nos manicômios, nos trabalhos análogos à escravidão. A pessoa preta parece sempre ser o alvo mais fácil, foi e ainda é assim. Segundo dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN), no primeiro semestre de 2022, a população carcerária do estado do Rio de Janeiro era composta por 74% de pessoas pretas e pardas. Zaccone (2007) afirma que “ a clientela do sistema penal é constituída na sua maioria de negros e pobres não porque tenham uma maior tendência para delinqüir, mas sim por terem maiores chances de serem criminalizados” (p. 50).
Schutz (2022) conclui em sua pesquisa que o cárcere atual no Brasil é composto majoritariamente por homens jovens, pretos e pobres e que essas pessoas são animalizadas pelo Estado burguês. Além disso, a pesquisa mostra que a política de Estado de encarcerar pessoas que cometem algum crime e apostar na ressocialização como um benefício ou objetivo do encarceramento fracassou. Essa política apenas contribui para a marginalização desse grupo de pessoas que já estão às margens da sociedade muito antes de entrarem para o cárcere.
|
|