Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC4.3 - Familias, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade

46465 - ACESSO E ESTÍMULO À LEITURA NA PRIMEIRA INFÂNCIA: UMA ANÁLISE LONGITUDINAL EM CRIANÇAS BRASILEIRAS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA
JÚLIA BOANOVA BÖHM - FURG, TIAGO NEUENFELD MUNHOZ - FURG


Apresentação/Introdução
O acesso e o estímulo à leitura na infância estão associados a melhor desenvolvimento cognitivo e linguístico. Livros ilustrados oferecem características essenciais de objetos e eventos, facilitando a aquisição de conceitos. No entanto, barreiras socioeconômicas dificultam o acesso a livros. Intervenções de compartilhamento de livros em contextos de baixa renda mostram benefícios significativos no desenvolvimento da linguagem. Revisões anteriores destacaram a importância da frequência do compartilhamento de livros e da utilização de técnicas eficazes pelos pais. Uma recente revisão sistemática e meta-análise que avaliou ensaios randomizados para compartilhamento de livros (leitura) (DOWDALL et al., 2020) identificou potencial para melhorar o desenvolvimento da linguagem e devem ser consideradas em programas de apoio à alfabetização infantil.

Objetivos
Avaliar os fatores socioeconômicos, familiares e individuais associados à disponibilidade de livros ou revistas infantis durante, aproximadamente, os três primeiros anos de vida de crianças brasileiras em situação de vulnerabilidade social.

Metodologia
Trata-se de uma análise longitudinal, com dados de um ensaio randomizado conduzido para Avaliação do Impacto do Programa Criança Feliz (PCF). O estudo incluiu 3.242 crianças < 12 meses de idade, residentes em 30 municípios de cinco regiões do Brasil. Entrevistas presenciais foram realizadas quando as crianças tinham, aproximadamente, um, dois e três anos de idade (2018, 2019 e 2021, respectivamente). A escolha de estados e municípios foi intencional, tendo como base a implementação do PCF. A amostra foi selecionada a partir de crianças elegíveis para o PCF, cujo objetivo é promover a estimulação e o desenvolvimento infantil. Foram coletadas, nos três períodos de acompanhamento, informações sobre características demográficas, socioeconômicas e comportamentais das famílias e das crianças, bem como o autorrelato sobre disponibilidade de livros ou revistas infantis (DLRI).

Resultados e discussão
Informações sobre DLRI para estavam disponíveis para 3.198, 3.002 e 2.601 crianças em cada ano de acompanhamento, respectivamente. No primeiro ano de vida das crianças, cerca de 9% das mães relataram DLRI no domicílio, passando para ± 32% e ± 50% no segundo e terceiro ano de vida da criança. Escolaridade materna e renda familiar (quintis) esteve consistentemente associada de forma positiva a DLRI, sendo cerca de 2 a 3 vezes mais frequentes nas famílias com mães de maior escolaridade e maior quintil de renda em comparação aos grupos de menor escolaridade e renda. A DLRI foi menor entre crianças de mães com sintomas depressivos no segundo e terceiro ano de vida da criança, mas não durante o primeiro ano de vida. A DLRI aumentou escores totais de neurodesenvolvimento infantil nos três anos avaliados: cerca de 8, 13 e 14 pontos maiores nos escores de neurodesenvolvimento em crianças com livros ou revistas infantis em casa. Um estudo realizado por Dowdall et al. (2020) destacou a escassez de pesquisas que avaliaram os efeitos do acesso e estímulo à leitura em crianças na primeira infância e ressaltou a importância de estudos longitudinais com esse enfoque. O contato das crianças com uma linguagem diversificada gramaticalmente desempenha um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo. Estudos demonstraram que a velocidade de processamento cognitivo das crianças é influenciada pela quantidade de linguagem que elas ouvem, o que, por sua vez, afeta a maneira como adquirem vocabulário mais tarde. Portanto, um ambiente linguístico estimulante e interações verbais por meio da leitura são importantes para promover o desenvolvimento da linguagem e a aquisição de vocabulário na primeira infância. Populações socialmente vulneráveis são mais impactadas pelas diferenças socioeconômicas da realidade brasileira, portanto, é necessário direcionar atenção e intervenções a estas famílias, o que poderá contribuir para a redução das desigualdades no ambiente escolar e para o desenvolvimento cognitivo e intelectual.

Conclusões/Considerações finais
Informações longitudinais sobre DLRI são importantes para compreensão de potenciais obstáculos para melhor desenvolvimento cognitivo e linguístico na primeira infância. Estes resultados indicam que fatores socioeconômicos afetam a DLRI na primeira infância e chamam atenção para o foco em planejamento e políticas para mitigação destes efeitos. Além disso, destaca os impactos da saúde mental materna na DLRI, bem como os impactos que a DLRI pode ocasionar no neurodesenvolvimento infantil.