Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC3.4 - Repensar metodologias no contexto das desigualdades sociais e a formação em saúde

46157 - PRODUÇÃO DA DIFERENÇA EPISTÊMICA-METODOLÓGICA-EMPÍRICA-TEÓRICA EM UMA TESE DE ANTROPOLOGIA NA SAÚDE COLETIVA: ENTRE A MOBILIDADE CRÍTICA AUTORAL E A REJEIÇÃO ACADÊMICA
ANDRÉ GUIMARÃES - UFBA


Apresentação/Introdução
Há uma propensão originária da ciência moderna, fundada em ideologias eurocentradas, a operar com as lógicas de separação, oposição, redução e universalização, por forma que reflete em outras instituições do mundo ocidentalizado, desde a academia, com práticas históricas e cotidianas de normalização, hierarquização, dominação, segregação, silenciamento etc. No próprio campo acadêmico europeu, ora mestiçado, emergiram os recentes conceitos de transdisciplinaridade e transepistemicidade que vieram corroborar movimentos de decolonialidade em territórios não ocidentais e do sul global. Ainda que a Saúde Coletiva se predisponha inter ou transdisciplinar, e as Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CSHS) tendam a dispor instrumentos válidos e eficazes à prática efetiva de inter e transdisciplinaridade, até então, a produção acadêmica neste campo tem deixado a desejar no alcance desses paradigmas e mais ainda de uma orientação transepistêmica. Em sua pesquisa de doutorado em Saúde Coletiva, no eixo das CSHS, sobre ontologias práticas de adolescência e ato infracional, o autor construiu seu objeto e levantou necessidades teórico-epistêmico-metodológicas a partir de um amplo exercício de reflexividade baseado na formação de sua identidade intelectual, considerando ancestralidades, história de vida e identificações acadêmicas em termos temáticos, conceituais e ético-políticos. Foi também trazida em conta sua experiência como pesquisador no trabalho de mestrado com o uso da Teoria Ator-Rede (TAR), cujos resultados apresentaram lacunas e limitações referentes à abordagem teórico-metodológica, por exemplo, no sentido de não evidenciarem formações sociais discrepantes em cenário de racialização, genderização e periferização de corpos.

Objetivos
Em um desdobramento analítico da Tese do autor, o objetivo deste trabalho é provocar reflexões sobre rejeições acadêmicas a mobilidades críticas autorais que questionam teorias, epistemes e métodos, com vistas a promover a renovação de saberes nas CSHS e na Saúde Coletiva por via da transdisciplinaridade, transepistemicidade e decolonialidade.

Metodologia
A metodologia adotada implicou preliminarmente duas amplas revisões de literatura, uma histórica e transversal e uma integrativa, sobre as práticas sociais acerca do fenômeno adolescência e ato infracional, além de um ensaio crítico-propositivo sobre a TAR. Na pesquisa empírica foi feita uma etnografia em territórios institucional e urbano, cujos dados foram analisados em dois segmentos: um etnográfico-etnológico sob orientação a TAR e em outro sob orientação da proposta autoral de ‘Antropologia Ontológica Analítica’ pós-TAR.

Resultados e discussão
Os resultados das revisões preliminares expuseram os substratos coloniais da produção do fenômeno adolescência e ato infracional e das práticas sociocientíficas correlatas; o ensaio crítico-propositivo sobre a TAR, rejeitado em exame de qualificação do projeto de tese e posteriormente aceito para publicação em revista de Antropologia de grande vulto, expôs contradições da polarização discursiva entre as epistemes estruturalista e semiótica/pragmatista nas ciências sociais, propondo outros termos e formas exploratórias para conciliação e expansão. Os resultados da pesquisa empírica expuseram multiplicidades performativas de adolescência e ato infracional nas práticas do tempo cotidiano e regularidades de lógicas que atravessam o tempo histórico nas associações de saber-fazer-ser. Alcançou-se como tese teórica que: “Um objeto temático é performado em múltiplas versões nas práticas cotidianas, em ontologias políticas, com instabilidade/fluidez no tempo-espaço. Não obstante, essas multiplicidades performativas são atravessadas por lógicas sociais que, por sua vez, estão analiticamente vinculadas a fundamentos ontológicos antepassados. Ou seja, as lógicas sociais – fórmulas predicativas que exprimem atos-efeito constituindo o ser-devir das realidades – guardam vínculo de repetição com sistemas de códigos relacionais produzidos por grupamentos humanos ancestrais, mantidos em alguma medida por transmissão cultural, apreendidos em memórias coletivas e individuais e expressos em múltiplas conjugações nas práticas cotidianas.” O referido trabalho de tese poderia ter sido abortado em sua proposta original, caso o autor não tivesse confiado e persistido em suas elaborações apesar da rejeição de sua proposta epistêmico-metodológica em exame de qualificação, depois validada em importante periódico revisado por pares.

Conclusões/Considerações finais
Considera-se que os atores da Saúde Coletiva e das CSHS devem estar atentos a apegos e fundamentalismos teóricos, epistêmicos e metodológicos, bem como à lógica de castração-enquadramento-medianização intelectual que operam em diversos atos acadêmicos, mesmo em coletivos e instituições autodeclarados “contra-hegemônicos”, “decoloniais” e “inter/trans-disciplinares/epistêmicos”. Por uma Saúde Coletiva da multiplicidade, do contato e da produção de diferença.