Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC3.4 - Repensar metodologias no contexto das desigualdades sociais e a formação em saúde

47660 - QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA UM PONTO: CAVUCANDO HISTÓRIAS ESCREVIVENTES
ALEXANDER AUGUSTO RODRIGUES - PUC-SP


Apresentação/Introdução
Postulado pela escritora mineira Conceição Evaristo ao longo da sua produção literária e acadêmica, o termo Escrevivência tem sua origem marcada na escrita de mulheres negras. Carregadas de subjetividade, dor e resistência, as Escrevivências vão surgindo da necessidade de encontro, de ressonância, partindo de um profundo incômodo com o estado das coisas. Portanto, na tentativa de produzir uma escrita acadêmica que dialogasse com as compreensões de mundo que a autora expressa na sua obra, me coloco em primeira pessoa nessa escrita. Contar a sua própria história pode propiciar ao escritor/narrador um encontrar-se consigo mesmo enquanto produto de uma vida cheia de experiências e memórias, isto é, uma vida histórica e ao mesmo tempo simbólica. Dessa forma, o conceito postulado pela Conceição Evaristo pode ser compreendido enquanto uma proposta metodológica em psicologia, no que tange a valorização do cotidiano de pessoas atravessadas por uma série de mecanismos estruturais que impedem a livre expressão de sua subjetividade e as aprisionam num modo de sobrevida, operadas por ideologias machistas, racistas, idadistas, capacitistas, adultocêntricas e tantas outras que implicam numa condição de subalternidade às populações dissidentes.

Objetivos
O presente trabalho de conclusão de curso teve como objetivo a revisão sistemática de escritas acadêmicas cujo lócus de compreensão encontra o conceito proposto pela escritora ao associar a Escrevivência e seu impacto nas subjetividades de populações dissidentes, no intento de produzir saúde e práticas de cuidado que estejam marcadas pelo processo de vida e subjetivação das populações.

Metodologia
Nesta pesquisa de cunho bibliográfico, busquei em diferentes autoras e autores a utilização desse modo de enxergar o mundo, através da Escrevivência, uma maneira de promover saúde e assumir um caráter de resistência a uma realidade imposta sobre corpos subalternizados através da criação de outras narrativas que denunciam a objetificação violenta nas formas de opressão dessas existências e, ao mesmo tempo, celebram a anunciação de um modelo ético-estético-político de (r)existência. Foram realizadas buscas nos bancos de dados SciELO, PePSIC, LILACS, utilizando as palavras-chaves: Escrevivência, Conceição Evaristo, Psicologia e Escrevivência e Psicologia e Conceição Evaristo. Enquanto resultado, sete artigos acadêmicos publicados entre 2017 e 2022 foram descritos e analisados.

Resultados e discussão
O corpus composto de literaturas decoloniais propiciou reflexão crítica sobre os objetivos das práticas psicológicas nos mais diversos âmbitos e sobre os modelos pré-estabelecidos de se fazer pesquisa e intervenção, incentivando a produção de uma psicologia antirracista e que esteja em consonância com os saberes locais e territorializados. Como Conceição Evaristo e Glória Anzaldúa, colhi as palavras da minha escrita através da fome do mundo e da minha própria fome e, entrando em contato com essas histórias tão potentes e escreviventes, pude recuperar aquilo que de fato mobiliza o meu fazer. Dessa terra, eu colhi os mais preciosos elementos, o que me leva produzir um alimento que adentra o meu corpo, descolonizando-o, aguçando os meus sentidos para as mais diversas histórias e que me mobiliza a ter implicação ético-política na forma como as escuto, escrevo e reconto.

Conclusões/Considerações finais
Considero que a Escrevivência, ao fomentar os processos de subjetivação presentes no cotidiano, propicia a construção de um espaço acolhedor, coletivo e promotor de existência às vidas subalternizadas, desvelando as interseccionalidades e as formas de (r)existência a esses atravessamentos. A maioria das pesquisas citadas nesse trabalho passaram, em algum momento, pela história de vida das pesquisadoras, isso porque o ato de escrever é, segundo Anzaldúa, um ato de criar alma, uma alquimia. Nesse sentido, a escrita aparece enquanto uma ferramenta que penetra nessas camadas, ao mesmo tempo que nos protege e nos ajuda a sobreviver a elas. É pela escrita orgânica, isto é, encarnada em minha própria pele que eu produzo os movimentos necessários de descolonização do eu (ANZALDÚA, 2000; KILOMBA, 2019). E foi esse fenômeno que presenciamos ao longo do processo de cavucar as escrevivências dessas autoras e autores no seu processo de escrita. Assim, a Escrevivência também vai se constituindo enquanto uma força-potência onde encontramos refúgio de nossas dores silenciadas pela opressão. E, dessa forma, com mais inquietações do que nunca, convido a todos que lêem essas palavras a encontrarem o Salubá da Escrevivência e, à partir de suas terras cavucadas, possam fluir junto às águas-espelho de Oxum e Iemanjá, que se encaminham para o coração vivo de uma ancestralidade que povoa esse solo.