03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC14.2 - Síndrome Congênita do Zika e Covid-19: aprendizados e desafios |
46475 - ENGAJANDO FAMÍLIAS AFETADAS PELA SÍNDROME CONGÊNITA DO ZIKA COMO PARCEIROS DE PESQUISA ATRAVÉS DA CO-PRODUÇÃO: REFLEXÕES INICIAIS SOBRE DESAFIOS EM CURSO JHULIA NELLY DOS SANTOS - UNIVERSITY OF BRISTOL, SANDRA VALONGUEIRO ALVES - UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, LOVEDAY PENN-KEKANA - LONDON SCHOOL OF HYGIENE AND TROPICAL MEDICINE
Apresentação/Introdução A identificação da associação da infecção com o Zika vírus durante a gravidez com manifestações clínicas em recém-nascidos definidas como a Síndrome congênita do zika (SCZ) a partir da ocorrência de uma epidemia no Brasil resultou em lições sobre emergências sanitárias e suas conexões com determinantes sociais em saúde, incluindo gênero, local de moradia e raça/etnia. O aspecto de novidade e a necessidade de mapear impactos clínicos e socioeconômicos tornaram o zika um foco de interesse para pesquisadores, de cientistas sociais à epidemiologistas, mobilizando o apoio de órgãos de financiamentos nacionais e internacionais. As famílias afetadas e suas crianças se tornaram alvo de grande procura para participação em pesquisa, e de modo geral, enquanto novas relações se formavam entre estas e pesquisadores, velhas problemáticas se reproduziram através das dinâmicas de poder intrínsecas aos processos de pesquisa tradicionais. Enquanto a participação de mulheres e famílias afetadas pela SCZ prevê benefícios, também percebidos por estas, relatos revelam que hegemonicamente as agendas de pesquisas tem se caracterizado como extrativistas, com pouco ou nenhuma estratégia ou evidência do envolvimento participantes para além do momento da coleta de dados, excluindo-as dos estágios de planejamento e disseminação de achados. A garantia do engajamento do público e comunidades afetadas pode ser interpretada como uma questão ética que ainda não se encontra expressa nas orientações dos comitês de ética que regulam a realização de pesquisa com seres humanos no Brasil, devendo promover reflexões entre todos aqueles envolvidos com pesquisas relacionadas à SCZ.
Objetivos Diante do cenário descrito, buscamos descrever aqui a nossa experiência de busca por estratégias para promover relações mais igualitárias entre pesquisadores e famílias, incluindo o Brasil e Reino Unido, no contexto do planejamento da execução um estudo em curso sobre os impactos a longo prazo da SCZ no Brasil (Estudo LIFE Zika, financiado pelo Wellcome Trust).
Metodologia No sentido de desenvolver um plano de envolvimento das famílias afetadas ao decorrer do processo da pesquisa, o LIFE Zika possui um pacote de trabalho transversal nomeado ‘engajando famílias afetadas como parceiros de pesquisa’. Como atividades previstas, promovemos até o momento duas reuniões entre pesquisadores do estudo em Maio e Junho de 2023 com o foco na discussão da co-produção em pesquisa.
Resultados e discussão Como contraponto à forma tradicional extrativista de pesquisa, emergem as metodologias participativas que propõem novos caminhos nas formas de investigação. A co-produção em pesquisa pode ser descrita como um processo participativo e colaborativo, e entre seus princípios estão o compartilhamento de poder para assegurar parcerias mais igualitárias. Observamos uma retórica promovida por órgãos de financiamento internacionais e revistas científicas de grande impacto que indica a necessidade de co-produzir pesquisas a fim de alcançar melhores resultados no campo da saúde. Porém, na prática, percebemos barreiras importantes para a realização da co-produção. Até o momento identificamos três questões-problemas principais no contexto do nosso estudo:
1. O momento da escrita de propostas de financiamento se dá ainda sem recursos direcionados para os o envolvimento das famílias. Isso pode limitar as oportunidades de incorporar as suas visões sobre o estudo e o que para elas seriam formas de trabalhar mais igualitárias, dificultando a priorização do envolvimento das famílias na concepção do estudo e definições de perguntas condutoras.
2. O engajamento não pode ser compensado financeiramente no Brasil de acordo com comitês de ética, sem a discriminação entre o que é ser participante da pesquisa e mediador entre as equipes e as famílias afetadas. Em outros contextos, a compensação financeira é descrita como um facilitador para promover a representação das vozes das pessoas afetadas, o que exige tempo e afastamento de suas atividades profissionais e de cuidado. Diante das regras postas, corremos o risco de sobrecarregar ainda mais as famílias, e principalmente as mulheres, comprometendo seu envolvimento.
3. Conciliar diferentes capacidades, interessses e habilidades para co-produzir em um grupo diverso de parceiros nacionais e internacionais. Como consequência, por exemplo, concepções antagônicas sobre o que seria parceria em pesquisa e os papéis que assumiriam aqueles envolvidos como mediadores e participantes podem emergir.
Conclusões/Considerações finais Esses desafios são estruturais e institucionais. Diante da estrutura tradicional de fazer pesquisa, mais valorizada pela academia, ainda há espaço limitado para promover modos mais participativos e igualitários de envolvimento das famílias no contexto de Zika, mesmo com a expressão de interesse na equipe de pesquisa e órgão financiador. Incluir uma lógica de pesquisa menos extrativista em um estudo é dependente também de um robusto comprometimento de comitês de ética em pesquisa com a agenda da co-produção.
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