Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC14.2 - Síndrome Congênita do Zika e Covid-19: aprendizados e desafios

46807 - MANUTENÇÃO DE VULNERABILIDADES E OCORRÊNCIA DE CRISES SANITÁRIAS: ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO DA SÍNDROME CONGÊNITA DO ZIKA VÍRUS MEDIANTE UMA ABORDAGEM INTERSECCIONAL
KARINE DE SOUZA OLIVEIRA SANTANA - EBMSP, ARGEMIRO D’OLIVEIRA JÚNIOR - FAMED, LILIANE DE JESUS BITTENCOURT - UFBA


Apresentação/Introdução
O nível de vulnerabilidade social dos diferentes grupos populacionais define distintas condições de vida, adoecimento e morte. A compreensão que as desigualdades interferem no volume e no padrão de ocorrências dos eventos epidemiológicos suscita a realização de uma reflexão ampliada para além dos agentes etiológicos. A dificuldade de acesso a água, esgotamento sanitário e moradia insalubre são alguns dos aspectos que impactam historicamente na ocorrência de doenças, haja vista, as ocorrências de COVID-19 e as dificuldades de controle de transmissão por meio de medidas como lavagem das mãos e isolamento, sem acesso a água e com casas com maior número de pessoas por cômodos, revelaram as distâncias de possibilidade de cuidado e proteção. Para compreender a forma como as possibilidades de proteção e cuidado se manifestam no seio social é preciso considerar que elas estão ligadas a uma estrutura estabelecida por categorias que hierarquicamente refletem mecanismos de opressão.

Objetivos
Assim, considerando que, a análise das categorias sobre as quais se estabelecem as relações sociais é a forma mais verossímil de compreender a dimensão da malha ecológica que que envolve os fenômenos de saúde, foi realizado um estudo com o objetivo de compreender o padrão de distribuição e áreas de risco para ocorrência da Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV) no Estado da Bahia no período de 2015 a 2017 mediante abordagem interseccional das categorias de raça, classe e gênero.

Metodologia
Na realização da pesquisa consideramos as caracterizações das gestantes cujos filhos nasceram com a síndrome. Para atender ao objetivo do estudo realizou-se um estudo ecológico de agregados espaciais considerando os Setores Censitários como a menor unidade de análise (SC) espacial. A composição do banco de dados foi estruturada a partir das notificações dos casos confirmados da SCZV disponibilizados pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia e pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador. Para a condução do processamento e análise dos dados utilizou-se da abordagem metodológica interseccional, considerando as categorias de raça e classe. A execução da análise se deu a partir do uso de geotecnologias por meio das quais foi possível avaliar as categorias interseccionais de raça, classe e gênero em relação ao ambiente e condições de vida. Dessa forma, o Índice de Condição de Vida (ICV), o modelo de nicho ecológico Maxent e o teste de verificação de Jacknife foram utilizados para realizar o cruzamento entre as variáveis bioclimáticas e socioeconômicas para identificar os fatores e áreas de risco para os diferentes grupos de gestantes no estado da Bahia.

Resultados e discussão
A avaliação das variáveis bioclimáticas, em si, mostrou que estas são insuficientes para compreender a ocorrência de arboviroses. Foram notificados 1.684 casos da SCZV no período de estudo, destes 502 foram confirmados. A análise do perfil das gestantes evidenciou que as gestantes negras, quando comparadas com as não negras, estão mais vulneráveis e sujeitas aos piores desfechos obstétricos. Na avaliação dos dados foi possível identificar que a determinação social incidiu diretamente no padrão de ocorrência e distribuição dos casos. A variável que conjugou sexo, escolaridade e raça/cor foi considerada a mais importante para explicar a probabilidade de casos em gestantes negras, evidenciando o entrelaçamento dos determinantes sociais. O modelo e o teste utilizados mostraram o papel de cada variável na compreensão da matriz de evidência, como também evidenciaram a importância da análise interseccional para a compreensão do padrão de distribuição e probabilidade de ocorrência de novos casos. A categoria raça esteve presente em todos os modelos gerados influenciando na compreensão do modelo tanto para as gestantes negras quanto não negras. Na análise do território estudado foi possível evidenciar que as gestantes negras estão nas áreas mais vulneráveis quando comparadas com as não negras, como também foi possível desmitificar a democracia de exposição relacionadas às doenças causadas por vetores

Conclusões/Considerações finais
A realização desta pesquisa nos faz refletir sobre, como realizar uma intervenção em saúde em um cenário de crise sanitária sem considerar as diferenças e necessidades populacionais demarcadas pelas desigualdades? Vale salientar que as condições sociais pioraram significativamente após a pandemia da COVID-19, sobretudo para as mulheres negras, e em 2023 os números evidenciam o aumento dos casos de doenças causadas pelo vetor do Zika Vírus, o risco de novos casos de Zika e da SCZV continua eminente. Neste sentido considerar os pressupostos do Sistema Único de Saúde é base precípua para a garantia do efetivo direito à saúde. Assim, somente por meio de intervenção política inclusiva e transversal com vistas à equidade será possível para dirimir as iniquidades em saúde.