Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC15.4 - Violência de gênero física, política e simbólica: lições para o sistema de saúde

47096 - QUEBRANDO O SILÊNCIO: ANÁLISE DOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM UM GRUPO DE MULHERES DA REGIÃO METROPOLITANA DE PERNAMBUCO
LAÍS EDUARDA SILVA DE ARRUDA - IAM-FIOCRUZ, MARIA EDUARDA NASCIMENTO SANTOS - UFPE-CAV, ELISÂNGELA RAPOSO - COLETIVO MULHER VIDA, KEILA SILENE DE BRITO E SILVA - UFPE-CAV, ANA PAULA LOPES DE MELO - UFPE-CAV


Apresentação/Introdução
A violência contra a mulher pode ser definida como um fenômeno múltiplo que envolve diversas facetas da sociedade, sendo evidenciado pelo sofrimento físico e psíquico da vítima. Tal problemática, transcende fronteiras geográficas, sociais e econômicas, podendo ser manifestada de diversas formas, sejam elas físicas, psicológicas, morais, sexuais e patrimoniais. Apesar de ser objeto de estudo há alguns anos, a violência contra a mulher além de ser mascarada quanto a sua real intensidade, não é compreendida em sua plenitude. Ao considerar a magnitude da problemática do ponto de vista da saúde pública, é importante destacar o silêncio de autoridades, as dificuldades existentes para o processo de denúncia e a falta de aparato social como uma rede estruturada e descentralizada de apoio para as vítimas.


Objetivos
Analisar os processos de violência contra a mulher com mulheres vítimas de violência doméstica no município de Olinda-PE.

Metodologia
Os resultados aqui apresentados são parte da pesquisa “Violência Contra as Mulheres no Município de Olinda-PE: Uma análise a partir do triênio 2018-2020”, realizada entre os anos de 2021 e 2022 através de parceria entre o Coletivo Mulher Vida (CMV) e Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico de Vitória. Trata-se de recorte do eixo qualitativo do estudo, com foco nas narrativas advindas da realização de um grupo focal com oito com idade entre 29 e 65 anos e que possuíam histórico de residência ou vivência cotidiana na realidade do município de Olinda/PE. Os dados foram analisados apor meio da análise de conteúdo.


Resultados e discussão
Os relatos no grupo focal evidenciaram que a violência está presente na história de vida e no cotidiano das mulheres. Para muitas delas, ocorre desde a infância e a adolescência, seja no contexto familiar ou em relacionamentos e nas relações estabelecidas dentro e fora de casa. As participantes compartilharam situações diversas de violência física, ameaças de morte, abuso sexual e estupro, violência psicológica, humilhações, insultos, apropriação de bens e recursos econômicos, além de violência no âmbito do trabalho e propiciadas pelo Estado. Vivenciadas por elas próprias e por pessoas do seu convívio familiar ou de amizade. Marcas físicas e subjetivas que atravessam biografias de mulheres por várias gerações, causando-lhes medo, angústia, vergonha, adoecimento. Algumas dessas falas são ilustradas abaixo:
“fui primeiro mulher, para ser moça. Fui estuprada, fui violentada, meu filho mais velho nasceu de um estupro. E depois dessa situação, dos seis anos que eu passei, minha família não me aceitou. Eu caí na prostituição, na prostituição eu fui violentada de novo."(M1).
“ele me agredia muito com palavras assim, me chamava de “rapariga”, “puta”, você é isso, você é aquilo, “você nunca vai arrumar ninguém no dia que eu lhe deixar. Quem é que vai te querer?” (M2).
“Eu sem dinheiro do meu trabalho, eu tava juntando dinheiro, aí comprei uma casa, comprei minha casa e decidi que ia me separar, mas a minha família é muito tradição, não pode, então eu ainda morei pouco tempo com ele nessa casa.” (M3)
“Pelo fato de eu não ter um homem na minha casa, virou e mexeu um vizinho quer tirar onda comigo, sabe?” (M4)
O lugar de naturalização social que as situações de violência contra as mulheres são colocadas repercutem na dificuldade de reconhecimento. Isso pode ocorrer por barreiras sociais que criam formas de julgamentos que idealizam um perfil e critérios para a vítima que são quase sempre intangíveis e repercutem na revitimização das mulheres. Além disso, ao longo de anos foi construída socialmente uma ideia de inferioridade da mulher em relação ao homem e uma necessidade de uma figura masculina ao seu lado. A dependência financeira foi evidenciada como fator que contribui para a manutenção do ciclo de violência, em especial quando o parceiro é o agressor e há filhos envolvidos. Várias das participantes da pesquisa que haviam passado por situações de violência conjugal em outras fases da vida ressaltaram a importância ter uma casa sustentada por si próprias como garantia da independência e autonomia. Isso, por vezes, resultava em novos padrões de relacionamentos que não compartilhavam o ambiente doméstico como estratégia de segurança, como forma de evitar novas configurações de dependência econômica/ perda de patrimônio.



Conclusões/Considerações finais
O estudo permitiu a análise das vivências reais de mulheres, incluindo suas percepções a respeito dos processos de violência e seus impactos para a vida e para a saúde. A violência contra mulheres permanece como um grande gargalo nas políticas públicas, em especial aquelas voltadas para a prevenção e proteção das vítimas. Identificou-se que a promoção de espaços de escuta e partilha de experiências aparece como fator de proteção e cuidado. Permite processos reflexivos e viabilização de informações que ajudam a romper com os mecanismos sociais que culpabilizam e envergonham mulheres de forma a intervir e procurar ajuda de maneira segura.