Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC15.5 - Direito humano fundamental à saúde: identidade e símbolos na diversidade

45372 - BOY PADRÃO, APARÊNCIA SAUDÁVEL E EROTICIDADE: ESTILIZAÇÕES DE CLASSE SOCIAL E SAÚDE NA VULNERABILIDADE DE HOMENS QUE FAZEM SEXO COM HOMENS AO HIV/AIDS
INGRID VITORIA MACIEL - UFPE, LUÍS FELIPE RIOS - UFPE


Apresentação/Introdução
No Brasil e no mundo, homens que fazem sexo com homens (HSH) permanecem especialmente afetados pelo HIV. A literatura internacional, anterior ao advento da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) para o HIV, aponta para o aumento tanto do sexo anal desprotegido (SAD) entre HSHs como de práticas alternativas às propostas pela saúde pública, denominadas práticas soroadaptativas. Uma das mais recorrentes é a soroescolha: SAD com parceiros de mesma sorologia. Estudo anterior, realizado pela equipe a qual este trabalho se vincula, apontou que na Região Metropolitana do Recife (RMR) a soroescolha era recorrente, sendo presumida por meio de vinculações (quanto mais se conhece a pessoa e seus hábitos, mais fácil o SAD) e de emoções (amor, amizade, tesão, confiança facilitam o SAD), com forte implicação de o parceiro ter uma aparência saudável para a decisão sobre o uso da camisinha. A pesquisa que originou este trabalho se baseou em abordagem sócio-construcionista da sexualidade e dos agravos em saúde e buscou pelos aspectos sociais, programáticos e intersubjetivos da vulnerabilidade ao HIV. Dialogando com teóricos como Gayle Rubin, Richard Parker e José Ricardo Ayres, deu relevo aos contextos comunitários e às culturas sexuais que sustentam as interações nos diferentes arranjos sexuais possíveis e os contextos de vulnerabilidade. Para operacionalizar a análise, e inspirados em Judith Butler, usamos o conceito de estilização corporal: o modo como as classificações sociais se atualizam nos corpos produzindo sentidos (significado, valor e direção) nas intenções sociais.

Objetivos
Este trabalho investiga as implicações de classe social e renda na formação das parcerias sexuais a partir da descrição dos roteiros sexuais (parcerias e práticas), identificação dos marcadores de classe/renda na regulação dos roteiros sexuais para, com isso, realizar a análise das relações entre classe/renda e vulnerabilidade ao HIV.

Metodologia
Os dados aqui discutidos foram frutos de pesquisa etnográfica, realizada entre 2019 e 2022, que utilizou de observação participante em espaços de sociabilidade homossexual e entrevistas de base biográficas com 38 HSHs, de idade variando entre 20 e 38 anos. As entrevistas exploraram a sociabilidade homossexual (na entrada no “mundo gay” e espaços frequentados nos últimos meses), parcerias sexuais e formas de prevenção. Os dados foram submetidos a uma análise temática de conteúdo, de modo a identificar singularidades e recorrências em função de marcadores sociais.

Resultados e discussão
A maioria dos entrevistados eram jovens, pintosas (femininos), negros, solteiros, com nível de escolaridade superior incompleto e de classe pobre. Nas narrativas identificamos uma classificação de estilizações de gênero que classifica os homens que configuram masculinidade como boys e cafuçus, e os que configuram feminilidade como pintosas. Os cafuçus são homens pretos e pardos, que, além de configurar masculinidade, não possuem identidade gay e são pobres. Explorando outras articulações entre classe e gênero dos homens masculinos, identificamos que os boys considerados mais bonitos e desejáveis eram denominados como “tipo padrão” ou “boy padrão”. Os homens assim categorizados configuravam uma estilização que articula atributos corporais como raça/branco, altura/alto, idade/jovem e, especialmente, determinado regime de “cuidados com o corpo”, este inclui malhação para produzir o “corpo sarado”, depilação, modo de barbear e o uso de algumas marcas das roupas. A agência desses atributos corporais remetiam à classe média. Vale destacar que essa categoria não diz respeito necessariamente ao poder aquisitivo. Há homens pobres que gastam seus parcos recursos econômicos para cuidar da aparência, conforme mencionado, e frequentar determinados espaços (também marcados por classe), experimentando ou sendo percebido, circunstancialmente, como tendo um modo de vida das classes médias. Convém destacar que, neste âmbito, beleza e aparência saudável se correspondem, produzindo um acréscimo na atração erótica exercida pelos boys padrões, e, muitas vezes, quando na “agonia do tesão” e falta de camisinha, uma certa “confiança” que abre caminho para práticas sexuais desprotegidas.

Conclusões/Considerações finais
Na comunidade gay estudada os homens mais desejados são masculinos, brancos, jovens e que estilizam classe média. O estudo mostrou a importância de considerar as interseções entre raça, gênero e classe na configuração de estilizações corporais que produzem desejabilidade erótica e noções de saúde/doença, com implicações no trajeto do HIV nas redes de HSHs.