46801 - ARTICULANDO BENEFÍCIOS PESSOAIS E COLETIVOS: REPRESENTAÇÕES E EXPERIÊNCIAS DO AUTOTESTE DE HIV ENTRE JOVENS HOMENS QUE FAZEM SEXO COM HOMENS E MULHRES TRANS ELIANA MIURA ZUCCHI - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA, UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS, IVIA MAKSUD - INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA, FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, MARCELO CASTELLANOS - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA, UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, LAIO MAGNO - DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA, UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA, DULCE FERRAZ - ESCOLA FIOCRUZ DE GOVERNO, FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, FERNANDA CANGUSSU BOTELHO - FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, INÊS DOURADO - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA, UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, ALEXANDRE GRANGEIRO - FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Apresentação/Introdução Desde 2019, a OMS tem posicionado o autoteste (AT) para HIV como uma estratégia de autocuidado com potencial de ampliar a testagem e melhorar as condições de decisão informada e autonomia. No Brasil, a oferta do AT no SUS iniciada em 2020 é ainda incipiente na rede. Especialmente em relação a adolescentes e jovens, grupos desproporcionalmente afetados pela epidemia de HIV, há poucas evidências sobre repercussões e significados do AT.
Objetivos Nosso objetivo foi compreender as representações e experiências do uso do AT entre adolescentes e jovens homens que fazem sexo com homens e mulheres trans.
Metodologia Foi realizada uma investigação qualitativa integrada ao Estudo PrEP1519, que analisa a efetividade da profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV entre adolescentes. O AT era ofertado nas intervenções comunitárias e participantes podiam solicitar AT a qualquer momento, para uso próprio, em parcerias e redes de amigos/as. Analisamos dados de 32 entrevistas com jovens em uso de PrEP ou outros métodos preventivos em São Paulo e Salvador entre 2019-2020. Participantes tinham entre 17-21 anos, tendo a maioria se identificado como homens, cinco mulheres trans e uma como gênero fluido. Quanto à orientação sexual, 21 se identificaram como gays, quatro bissexuais, duas pansexuais, uma lésbica e três heterossexuais. Vinte e cinco se referiram como pretos/as ou pardos/as e seis brancos/as. Utilizando abordagem narrativa, apresentamos a análise dos resultados em três categorias.
Resultados e discussão Na categoria ‘Conhecendo, acessando e significando o autoteste’, a maioria desconhecia o AT antes de participar na pesquisa. As principais motivações para solicitar o AT incluíram a curiosidade pelo insumo, fazer o teste após exposições em sexo casual, e a intenção de incorporar o AT ao repertório de práticas preventivas. Particularmente entre jovens em uso de PrEP, a solicitação do insumo motivada para distribuí-lo entre amigos que teriam percepção de baixo risco e/ou dificuldade de acessar serviços. A ideia de ‘confiança’ no AT apareceu em algumas narrativas associadas ao receio de resultados incorretos e menor confiança no AT em comparação à testagem no serviço.
Na categoria ‘O manejo do AT e a expectativa do resultado’, a experiência concreta de uso do AT foi marcada por noções de praticidade e facilidade de manuseio e interpretação. Por outro lado, entre os que não tinham utilizado o AT, a necessidade de ‘coragem’ e a antecipação de ansiedade na execução do teste foram associadas ao risco de resultado positivo. Assim, conciliar diferentes informações como a facilidade de acesso e uso do AT, a vantagem do diagnóstico oportuno e lidar com a ansiedade foram presentes nas narrativas de jovens que ofertaram o AT a amigos que testaram positivo. O acolhimento de amigos e profissionais do serviço foram centrais para equilibrar a assimilação do resultado positivo, juntamente com orientação sobre o início do tratamento.
Na categoria ‘O lar e o serviço de saúde: maior confidencialidade versus necessidade de apoio e acolhimento’, a representação do AT como método que conferia maior privacidade e discrição foi frequente nas narrativas. Contudo, alguns que viviam com a família referiram muita dificuldade em ter privacidade em casa. A companhia de pessoas de confiança – amigos e profissionais – foi reiterada, remetendo a ideia de um apoio desejável e necessário para realizar o teste. Numa crítica sobre como estigma e discriminação aprofundam vulnerabilidades e acesso aos serviços entre seus pares e a comunidade LGBTQIA+, jovens foram vocais quanto à necessidade de ampla distribuição do AT, como se fosse ‘teste de gravidez”. A normalização do AT seria também importante para lidar com o impacto do teste positivo, representado pelas imagens de ‘morte’ e ‘pânico’.
Conclusões/Considerações finais As representações e experiências do AT entre adolescentes e jovens são marcadas por uma ambiguidade em que o reconhecimento de maior acessibilidade, confidencialidade e possibilidade de ofertar cuidado em seus círculos sociais é contrastado com dificuldades em garantir privacidade e preocupações em lidar com um resultado positivo. A novidade do AT também requer considerar que sua introdução no horizonte de cuidado é mediada por processos de construção de conhecimento e experimentação até que integre o repertório de práticas preventivas de forma consolidada.
As representações de superação de barreiras aos serviços, dos benefícios do amplo acesso ao AT à comunidade LGBTQIA+ e a importância dos círculos sociais dos/das jovens nas experiências de oferta e realização do AT realçam seu potencial como estratégia de autocuidado com maior autonomia. Esta autonomia deve ser entendida em uma perspectiva socio-relacional que reconhece a singularidade da pessoa em contexto de socialização de constantes mudanças e mediado por emoções, necessidade de validação social e voltado à proteção do bem comum, realçando como o AT para adolescentes e jovens é também significado como cuidado coletivo.
|