48195 - O PROBLEMA NO ENFOQUE DO SOFRIMENTO FEMININO NA PESQUISA EPIDEMIOLÓGICA: POR QUE DETERMINANTES SOCIAIS E NÃO DETERMINAÇÃO SOCIAL? BRUNA BONES - UFPR, RENATA BELLENZANI - UFPR
Apresentação/Introdução O campo da saúde coletiva, segundo a epidemiologia crítica, tem buscado avançar no debate teórico-metodológico sobre a determinação dos transtornos mentais, questionando o determinismo biológico como enfoque hegemônico. Recentemente, o entendimento da saúde mental tem evoluído para reconhecer sua natureza complexa e determinada pela articulação de diferentes processos sociais, incorporando a perspectiva de determinantes sociais em saúde. É dado que historicamente, as mulheres foram frequentemente retratadas como um grupo com predisposições biológicas para os transtornos mentais, por vezes relacionando de modo simplista tais predisposições com condutas e papéis ligados aos arquétipos de mulher doce, mãe cuidadora, mas também de ardilosa, sedutora, portadora natural da degeneração e da loucura. As explicações científicas para a maior prevalência do sofrimento psíquico em mulheres avançam, contudo os chamados determinantes são abordados em um viés positivista funcionalista, como variáveis tomadas isoladamente, tratadas mais como atributos e riscos, do que como indicativos de processos complexos. Segundo o enfoque do modelo multicausal do processo saúde-doença, as associações estatísticas entre a ocorrência de sintomas e determinadas variáveis ajudam a disseminação de “explicações” simplistas e mecânicas, que buscam justificar as diferenças encontradas entre homens e mulheres. É fundamental reconhecer uma dominância de aspectos estruturais da vida social na hierarquia das determinações do sofrimento psíquico feminino, não confundindo os contornos do que é determinado e do que é determinante nas condições de saúde-doença.
Objetivos O objetivo deste estudo foi compreender, na literatura dos últimos quatro anos, as evidências de causalidade ou fatores associados aos transtornos mentais em mulheres brasileiras.
Metodologia Foi realizada uma revisão integrativa utilizando como base de dados a Biblioteca Virtual em Saúde, Embase e PubMed. Os descritores utilizados foram "mulheres" e "saúde mental" e termos relacionados. Após a seleção de onze estudos que atenderam critérios de inclusão, os achados foram categorizados e interpretados à luz das formulações da teoria da determinação social, epidemiologia crítica latino-americana e da psicologia histórico-cultural.
Resultados e discussão Os principais avanços das pesquisas compreendem a associação estatística significativa de determinantes sociais e a saúde mental de mulheres, como as condições de desemprego, o efeito da escolaridade, eventos estressores, violência por parceiro íntimo, insegurança alimentar, isolamento e maior responsabilidade social. Poucos artigos denotam uma determinação analisada ampla e mais profundamente, levando em consideração processos históricos e sociais, em suas contradições dialéticas que elucidam processos psicossociais envolvidos na falta de acesso à educação, nas dificuldades no mercado de trabalho, nos processos de exploração, opressão e subordinação que são submetidas as mulheres trabalhadoras brasileiras. Foi observada uma lacuna nas análises com menção à raça e etnicidade, trabalho doméstico não remunerado, delineamentos de classe, que foram negligenciados ou subsumidos, parcial ou totalmente. Embora seja relevante reconhecer fatores que afetam a saúde mental segundo o referencial de determinantes sociais, uma análise fatorizada e desconectada de sua sobredeterminação torna o alcance explicativo baixo, ocorrendo o risco de culpabilização das pessoas por seu estado de saúde-doença. A teoria da determinação social do processo saúde-doença oferece base unificadora que organiza os processos críticos em saúde mental de forma racional e demonstra caráter explicativo da causalidade.
Conclusões/Considerações finais As pesquisas recentes sinalizam avanços importantes na compreensão e nas formas de cuidado do sofrimento psíquico feminino, apesar da persistência de explicações biologicistas ou multicausais reducionistas. É necessário aprofundar a compreensão da determinação social do processo saúde-doença mental, em contraposição às visões unicausal e multicausal. É importante também avançar nas formulações teórico-metodológicas de autoras e autores clássicos da epidemiologia crítica, como a matriz de processos críticos, aplicando-as às análises do sofrimento feminino de mulheres de diferentes perfis, modos e condições de vida, para fornecer um embasamento teórico-metodológico robusto sobre a causalidade da deterioração da saúde mental, naquilo que é geral à condição feminina, particular aos grupos/perfis e singular em cada história de vida. A abordagem da determinação social na saúde mental das mulheres brasileiras compreende os eixos de subordinação/opressão de gênero, raça, etnicidade e exploração de classe, como indissociáveis, o que é fundamental para denunciar as desigualdades e os processos sociais que afetam sua saúde mental. Isso se desdobra na importância de intervenções que atuem não apenas nos indivíduos, mas também nas estruturas sociais que influenciam a saúde mental da população trabalhadora como um todo.
|