Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC17.2 - Saúde de crianças e adolescentes - desafios para a assistência e potencialidades do cuidado participativo

46603 - ATENÇÃO À CRISE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: NOÇÕES PRESENTES NOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL
MARIANNA DE FRANCISCO AMORIM - UFMS, ALBERTO OLAVO ADVINCULA REIS - USP


Apresentação/Introdução
A atenção voltada à pessoa em crise pode ser compreendida como um aspecto difícil e estratégico para a efetivação de um cuidado em liberdade, preconizado pelo modelo de Atenção Psicossocial. Somando-se a isso, o campo da saúde mental infantojuvenil é ainda muito recente nas políticas públicas brasileiras. De maneira geral, podemos compreender as questões relativas a esse campo a partir de uma dupla transição paradigmática. Além da mudança do paradigma psiquiátrico hospitalocêntrico medicalizador para o paradigma psicossocial, vem ocorrendo, também, uma transição do paradigma menorista tutelar para o paradigma da proteção integral. Assim, crianças e adolescentes passam a ser considerados como sujeitos autônomos, de direitos e responsabilidades. No campo das políticas públicas de saúde mental, os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij) são serviços estratégicos no cuidado e na articulação da rede.

Objetivos
Apreender as noções de crise presentes nos discursos de trabalhadores dos CAPSij.

Metodologia
Trata-se de uma pesquisa exploratória, empírica e de natureza qualitativa. Foram realizados quatro grupos focais com trabalhadores e duas entrevistas semiestrutradas com gestoras de dois CAPSij, da cidade de São Paulo, conforme os preceitos éticos necessários. O material de campo foi analisado a partir da análise de conteúdo temática, na perspectiva teórica da Atenção Psicossocial, em constante diálogo com a literatura disponível sobre tal tema.

Resultados e discussão
O presente estudo propõe uma análise a partir da dimensão teórico-conceitual do campo da saúde mental, que abarca as concepções e os modos de pensar sobre a loucura, mais especificamente, os saberes presentes nos CAPSij a respeito da crise. Múltiplas e complexas noções de crise emergiram do material analisado. Parece existir uma dicotomia entre uma dimensão psicopatológica e uma dimensão psicossocial. A primeira dimensão corresponde à noção de crise mais descritiva, enfatizando a expressão de sintomas em uma perspectiva individual. Já a segunda dimensão abarca a crise de modo compreensivo, a partir de uma perspectiva multifatorial, enquanto algo social/relacional. No que se refere à dimensão psicossocial, as noções de crise consideram as redes de relações das crianças e adolescentes enquanto produtoras e mantenedoras da crise: família, instituições e sociedade. A crise é compreendida como reflexo dos vínculos fragilizados e a criança/adolescente como síntese de um sintoma familiar. Nesse sentido, essas instâncias são também protetivas e devem receber atenção e cuidado da rede de saúde mental. Outras noções de crise associadas à ruptura, desorganização e desequilíbrio também se evidenciaram, pressupondo uma concepção de saúde mental enquanto estabilidade e constância. A crise na infância e adolescência é considerada a partir de suas especificidades, sendo uma noção mais associada à adolescência, ao mesmo tempo em que se pode pensar em uma maior complexidade e melhor expectativa do que a crise no adulto. Ainda, emergiram noções atreladas a situações-limite, tais como aspectos explosivos (descontrole e agressividade) e aspectos implosivos (tentativas de suicídio, automutilação e uso abusivo de substâncias). Por outro lado, a crise também emergiu considerando sua potência criativa e transformadora, possibilitando uma transformação e reorganização das redes de relações.

Conclusões/Considerações finais
A crise é parte da experiência humana expressando-se sempre de modo único e singular, considerando o contexto social. É uma noção que evidencia disputas de diferentes lógicas de cuidado nos serviços, sendo central e norteadora das ações desenvolvidas nos CAPSij. A multiplicidade de sentidos presentes nos discursos dos trabalhadores a respeito da crise na infância e adolescência evidencia a complexidade do tema. Nesse sentido, a atenção voltada à crise demanda respostas também complexas, que não podem ser dadas apenas por um único serviço. Assim, é imprescindível que a criança/adolescente e seus familiares sejam acolhidos por toda a rede, demandando maior flexibilidade e porosidade. Evidencia-se a importância de espaços de diálogo, reflexão sobre as noções e práticas presentes no cotidiano das equipes, bem como de cuidado e apoio a todos os atores envolvidos: usuários, familiares e trabalhadores. Ademais, faz-se necessário mais estudos sobre tal temática, considerando essa ser fundamental para a efetivação dos preceitos do modelo da Atenção Psicossocial.