03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC17.2 - Saúde de crianças e adolescentes - desafios para a assistência e potencialidades do cuidado participativo |
46924 - CRIANÇAS COMO SUJEITOS NO ATENDIMENTO AMBULATORIAL LARISSA GOñI MURUSSI - UFRGS, ALINE BLAYA MARTINS - UFRGS
Contextualização Ao longo do último século, houve mudanças significativas no entendimento da infância como categoria e das crianças como sujeitos ativos na construção de suas vidas e do mundo (NASCIMENTO, 2008). Há um rompimento com paradigmas que enxergam as crianças como um objeto passivo de uma socialização regida por instituições e adultos, um vir a ser, e como um ser sem participação nas relações sociais de produção (NASCIMENTO, 2008; QVORTRUP, 2001).Autores russos, como Vygotsky e Leontiev (2010), demonstraram, no início do século passado, que as brincadeiras infantis não são mera reprodução da vida adulta.Já outros autores, como os da Sociologia da infância, trazem elementos para demonstrar a importância econômica da escolarização das crianças no capitalismo (QVORTRUP, 2001). Guerreiro Ramos (1944), sinalizava, no Brasil, que as melhorias nas condições de saúde infantil só poderiam ser realizadas à medida que a medicina saísse de si mesma para entender a criança na sociedade. Diante disso e com todas essas mudanças de concepções acerca das crianças, assumimos que o entendimento dos processos saúde-doença bem como a prática clínica de atendimento em saúde devem ser repensados.Trazemos aqui elementos para possíveis reflexões sobre o atendimento pediátrico de crianças na Atenção Básica à luz da teoria histórico cultural do desenvolvimento infantil dialogando com a sociologia da infância.
Descrição Este resumo faz parte do trabalho que está sendo desenvolvido para dissertação de mestrado em que realizamos uma autoetnografia através do uso de um diário de campo dos atendimentos realizados em duas unidades básicas (UBS) em uma cidade na região metropolitana do sul do Brasil a partir de maio de 2023.
Período de Realização Registros iniciados a partir de maio de 2023.
Objetivos Refletir sobre como as crianças entendem seus processos de cuidado e de adoecimento e criar hipóteses de uma clínica que consiga problematizar os limites impostos pelos saberes técnicos e as possibilidades de compreensão e de intervenção ampliados à sociedade em que vivemos neste momento histórico a partir dos caminhos percorridos no cotidianos da clínica pediátrica da/na periferia.
Resultados As observações realizadas até o presente momento permitem avaliar que as diferentes percepções sobre a saúde não dependem apenas da faixa etária, como por exemplo, algumas crianças de 2 anos respondem à pergunta “você sabe por que veio ao médico hoje?” com dados sobre sua situação de saúde. Em outros momentos,crianças maiores apenas olham para a mãe quando essa pergunta é feita. Um outro ponto de relevância recente é a mudança que ocorre na relação com a escola após o período de isolamento social relacionado à covid-19. Há um espanto por parte das equipes de saúde em relação à quantidade de crianças com sintomas de ansiedade na escola e à nova saída encontrada por algumas famílias: solicitar à equipe de saúde meios para que a criança deixe de frequentar a escola. Na reunião mensal de matriciamento de saúde mental, dos 9 casos discutidos, 6 deles solicitavam o não retorno à escola.
Aprendizados A interação na consulta pediátrica remonta à discussão trazida por Vygotsky (2001) sobre o desenvolvimento como resultado da aprendizagem mediada por um adulto e não como como processo de maturação para posterior desenvolvimento como apontado por Piaget. Alguns estudos sobre relação médico-paciente na pediatria em contexto hospitalar demonstram que as crianças sentem falta da comunicação quando o profissional dirige-se apenas aos seus cuidadores (PRAZERES, 2009). É possível perceber uma surpresa tanto de cuidadores quanto das próprias crianças quando o diálogo é dirigido a elas primeiramente e existe um trajeto de aprendizado sobre auto-percepção de seus corpos e dos rituais da consulta médica. Já em relação à escola, entendendo-a não só como um espaço de aprendizado e que expressa a relação entre as crianças e o mundo, mas também como espaço onde ela está inserida de acordo com sua posição nas relações sociais (LEONTIEV, 2010; QVORTRUP, 2001), é necessário entender que tipo de sofrimento a experiência escolar é capaz de gerar para encontrar outras melhores soluções.
Análise Crítica Concepções conservadoras da infância trazem consigo processos de aprendizado que são essencialmente disciplinadores e moralizantes (NASCIMENTO, 2008) e provavelmente se refletem também na saúde. Romper com essas concepções e atualizá-las no campo prático também na saúde é ainda um desafio. Parece possível que os elementos de educação em saúde e de auto-percepção corporal possam ser trazidos durante a consulta pediátrica. É necessária a articulação dos saberes de diferentes áreas para a real promoção de saúde na infância e traçar formas para que esse conhecimento se torne uma clínica possível dentro do atendimento em saúde pública no Brasil.
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