Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC18.3 - Infodemia e desinformação

45942 - GRIPE ESPANHOLA E COVID-19: DA MENTIRA À DESINFORMAÇÃO NO JORNAL DIGITALIZADO
RADÍGIA SANTOS DE OLIVEIRA - FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
Mentira, boato, fake news, pós-verdade, desinformação. São vocábulos interligados, de alguma forma, com informações duvidosas, falsas, incorretas, problemáticas, truncadas. E quando todas essas palavras estão relacionadas com alguns dos piores flagelos da humanidade, como as pandemias de gripe espanhola e de covid-19?

Este estudo analisa textos sobre as duas pandemias, por amostra, em quatro edições do jornal centenário O Estado de S. Paulo, conhecido como Estadão. As datas escolhidas são 19 de outubro e 1º de novembro de 1918, época da gripe espanhola, e 20 e 28 de julho de 2020, primeiro ano da covid no Brasil. Das quatro edições, três ganharam capa e a última, editorial do periódico.

Objetivos
Identificar desinformação (ou mentira, boato, fake news, pós-verdade) sobre as pandemias de gripe espanhola e covid-19 nas versões impressas do Estadão acessíveis digitalmente.

Metodologia
De abordagem qualitativa, este estudo é recorte da pesquisa de mestrado sobre a gripe espanhola e a covid-19, a partir do estudo de textos publicados por dois jornais centenários, entre eles, o Estadão. A consulta ao Estado de S. Paulo, por data ou palavras-chave, foi feita por meio do Acervo Estadão.

Resultados e discussão
Os resultados apontam as contradições do jornal, que, nas mesmas páginas, publica notícias com informações “corretas” sobre as pandemias de gripe espanhola e de covid-19, mas, ao mesmo tempo, cede espaço para anúncios de farmácias de remédios considerados ineficazes, além de dar voz a negacionistas.

Em 1º de novembro de 1918, por exemplo, o jornal publica, na capa, o comunicado “Ao povo”, que, entre outras recomendações, apela para que a população fuja de remédios contra a gripe espanhola aconselhados “por ignorantes ou por simples anúncios”. A incoerência identificada está no pé da mesma página: a propaganda de “pílulas sudoríficas” para combater a doença. Menos de 15 dias antes, também na capa, o Estadão apresenta quatro anúncios de produtos para prevenir e curar a gripe, como pó para gargarejo, pílulas sudoríficas e de quinina (indicada para a malária e de composição semelhante à cloroquina).

Cem anos depois, em 20 de julho de 2020, o Estadão publica matéria de quase meia página, com foto, em que o então presidente brasileiro defende o uso da cloroquina para o tratamento da covid. Ao longo do texto, a repórter escreve que o medicamento, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), não tem eficácia comprovada contra a doença. Em editorial publicado oito dias depois, o jornal chama a atitude do ex-presidente de “charlatanismo elevado à categoria de política de Estado para a área da saúde”.

Além dos desmentidos nos próprios jornais tradicionais, as informações sobre a covid foram parar nas agências de checagem, organizações inexistentes na época da gripe espanhola, assim como o rádio, a televisão e a internet. Diferentemente dos tempos atuais, em que a concorrência discursiva é bem maior que no início do século 20 e, às vezes, os veículos chamam a “verdade” para si, por meio de agências das quais também são os donos. É o caso do Estadão Verifica, mantida pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Conclusões/Considerações finais
Sem dúvida, a ciência avançou desde os tempos da gripe espanhola. O vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, foi identificado em dezembro de 2019 e a vacina começou a ser aplicada menos de um ano depois, situação bem diferente do início do século 20, quando pouco se sabia sobre a tal gripe. Só décadas depois, descobriu-se o causador da enfermidade: o vírus influenza da linhagem H1N1.

Sobre a pandemia atual, não faltam informações. Em consulta feita ao Acervo Estadão, a palavra-chave “covid” aparece mais de 17 mil vezes em textos de 2020. O excesso levou a OMS a chamar o fenômeno de infodemia: “Informações falsas ou enganosas em ambientes digitais e físicos durante um surto de doença. Causa confusão e comportamentos de risco que podem prejudicar a saúde”.

De modo geral, os jornais tradicionais ficaram ao lado da ciência durante a pandemia de covid e, apesar de dar espaço para negacionistas, muitas vezes, ouviram especialistas sérios e dedicaram páginas para explicar e defender as posições da OMS, por exemplo.

Em nome de informações confiáveis sobre a covid, os principais veículos de comunicação do país, como a Folha de S.Paulo, O Globo e o Estadão, também formaram um consórcio (desfeito em 2023). Segundo o Estadão de 9 de junho de 2020, o grupo foi uma resposta à decisão do então governo federal “de restringir o acesso a dados sobre a pandemia”.

No entanto, pode-se inferir que as medidas adotadas pelos jornais foram insuficientes. A cloroquina, por exemplo, sumiu por um tempo das farmácias, em 2020, depois do estímulo do então presidente brasileiro ao uso do medicamento para a prevenção da covid. Em 6 de junho de 2021, o Estadão afirma que o ex-presidente virou o principal influenciador mundial da cloroquina. O remédio, ressalta o veículo, “se transformou em símbolo da desinformação contra a pandemia no Brasil”.