48034 - PASSAPORTE ANTIVAX? DESINFORMAÇÃO E A LÓGICA NEOLIBERAL EM SAÚDE EM PLATAFORMAS DE REDE SOCIAL
KAMILLA THAÍS VULCÃO DA SILVA - FSP/USP
Apresentação/Introdução
A pandemia de Covid-19 desvelou crise informacional crescente no Brasil, concernente também às informações de saúde. Atrelada a movimento é projeto sociopolítico, essa onda de desinformação tem nas plataformas de redes sociais campo profícuo para a disseminação de informações falsas, as chamadas fake news, favorecendo uma infodemia. A profusão de informações falsas, que vêm ganhando ares confiáveis por meio da plataformização das notícias que operam abaixo do radar, permite o fortalecimento de estratégias anticiência, antivacina e gera uma infodemia. Esses movimentos se fundam no pensamento neoliberal, que rejeita o objetivismo e a razão social e dá enfoque a liberdade individual e valores subjetivos. Nessa agenda, pretende-se a falência das instituições e a ascensão do mercado autorregulado, além de práticas que se afastam da ideia de solidariedade. Entretanto, quando pensamos em saúde sob a perspectiva hermenêutica, conceituada como a busca compartilhada por indivíduos e sociedade para evitar, manejar ou superar os processos de adoecimento enquanto obstáculos à realização de seus projetos de felicidade, percebe-se que são incompatíveis: enquanto o neoliberalismo vê a saúde como negócio e as informações em saúde como ação individual, acima do coletivo, a perspectiva hermenêutica põe coletividade e bem-estar social no topo. Considerando o cenário, propõe-se a análise de três postagens realizadas em grupos antivacina de plataformas de redes sociais, que promovem a venda de passaporte vacinal falsificado.
Objetivos
São objetivos deste estudo:
Analisar o conteúdo de postagens realizadas em grupos antivacina;
Identificar e compreender os dispositivos acionados nos discursos;
Evidenciar a gramática utilizada nos grupos e seu sentido nos discursos antivacina sob a perspectiva neoliberal.
Metodologia
O estudo foi desenvolvido adotando-se o método de Análise de Conteúdo (AC) proposto por Sampaio, Portela e Araújo (2022), de natureza qualitativa, constituída de três etapas, a saber: conceituação, desenho e análise.
Para a primeira etapa considerou-se os trabalhos de Cesarino (2021;2022) sobre os públicos presentes nesses grupos, cujas narrativas de direita adotam o discurso neoliberal, conceituados como públicos refratados. Ancora-se também nos estudos de Abidin (2021) sobre operações de públicos refratados abaixo do radar e de Voirol (2021) das comunidades regressivas, que pretendem a ruína do princípio da solidariedade como mecanismo de ascensão da agenda neoliberal. Adotou-se a concepção hermenêutica de saúde como contraponto para pensá-la enquanto construção individual e coletiva de possibilidades de realização de projetos de felicidade (AYRES, 2007).
Na etapa de desenho selecionamos três corpus: duas postagens em grupos antivacina no facebook, realizadas em agosto e novembro de 2022, de venda de passaporte vacinal falsificado para Covid-19 e outras vacinas, e mais a descrição e o anúncio do mesmo conteúdo dentro de um grupo do telegram, com link obtido em uma das postagens do facebook. Todos os participantes foram anonimizados. Por fim, foi realizada AC à luz do referencial teórico.
Resultados e discussão
Na análise foi encontrado discurso declaradamente antivacina, cujo modus se baseia no viés negacionista, e a existência de gramática própria. Destaca-se o uso das expressões “veneno”, para designar a vacina - qualquer tipo; “humilhação” e “perseguição”, para descrever e contestar a obrigatoriedade do passaporte vacinal. O conteúdo evoca o discurso neoliberal ligado fortemente à liberdade individual - alegando a não vacinação como escolha autônoma, sem impacto na sociedade. Paralelamente, a compra é uma cessão à suposta inversão, onde o grupo antivacina se vê perseguido e marginalizado. Há apelo ao que consideram um prejuízo acarretado pela não vacinação: impacto na perda de trabalho e renda. Chama atenção que tanto os anúncios no facebook quanto no telegram permaneçam ativos dentro das plataformas, evidenciando feedback positivo do público. No telegram foi registrada entrada até dois dias antes da finalização do estudo -30/06/2023.
Conclusões/Considerações finais
Os discursos e gramáticas encontrados na análise se enquadram no conceito de públicos refratados, cuja operação inverte a lógica de grupos marginalizados e ocorre abaixo de um radar ético, mas visível e acessível. Os dispositivos acionados evocam a lógica neoliberal, ao se valer de discursos que dialogam com a liberdade individual sobreposta ao coletivo, autogestão, desprezo pelas instituições e preocupado com a força de trabalho. Contrapõe-se à concepção hermenêutica da saúde, na prevalência de um pensamento individualista que não engloba o indivíduo em sua essência e que não preza pela saúde enquanto projeto de felicidade, seja individual ou coletivo. Por fim, a manutenção dos anúncios e do grupo do telegram por tanto tempo denotam feedback positivo e aprovação do grupo quanto a esse conteúdo.
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