03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC19.2 - Fomes, interseccionalidades nas políticas públicas em Alimentação e Nutrição |
45931 - ALIMENTAÇÃO NO CONTEXTO PRISIONAL: UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL. BEATRIZ OLIVEIRA SANTOS - USP, JOSÉ MIGUEL NIETO OLIVAR - USP
Apresentação/Introdução A alimentação no contexto carcerário é responsabilidade do Estado e direito básico do encarcerado, entretanto, são inúmeros os relatos e denúncias sobre a quantidade e qualidade do que é oferecido. Em Manaus, a administração carcerária proibiu em 2019, a entrada de qualquer alimento externo por meio de familiares em vi
Objetivos O objetivo desta apresentação é mostrar resultados de uma pesquisa de IC que busca construir uma trilha de conhecimento sobre as condições de saúde e alimentação no contexto prisional da cidade de Manaus, compreendendo as estratégias de “cuidado” desenvolvidas por homens e, especialmente, mulheres que buscam sobreviver à sistemática produção de dor e sofrimento do sistema prisional.
Metodologia A estratégia metodológica usada combinou uma dimensão empírica e outra bibliográfica. Para a dimensão empírica, realizou-se o campo de caráter etnográfico na cidade de Manaus (AM) entre janeiro e fevereiro de 2023, junto ao coletivo de familiares de presos do Amazonas (FAPAM). Para a bibliográfica, um levantamento das publicações acerca da alimentação no contexto carcerário brasileiro nos últimos 20 anos.
Resultados e discussão No dia 31 de dezembro de 2016, uma rebelião no Complexo Penitenciária Anísio Jobim (COMPAJ), em Manaus, deixou 56 detentos mortos e durou 17 horas. A “confusão” (como se referem os relatos de familiares) se inicia a partir de um certo "grupo do sofrimento", em que os presos brigam entre si motivados pelo acirramento das disputas entre facções do estado, sendo elas o Primeiro Comando da Capital (PCC), Família do Norte (FDN), Comando Vermelho (CV), pelo poder e controle de uma das principais fronteiras de passagem de drogas no Brasil, como é relatado pelos sobreviventes dessa rebelião. Esse evento abriu um novo período de normatização interna das unidades carcerárias, intensificando processos punitivos para os presos e suas famílias. A pesquisa em curso mostra como tais processos punitivos têm na regulação da alimentação um mecanismo central. De início foi vivenciada uma redução na quantidade de alimentos que poderiam entrar na unidade, por meio das visitas. Essa mudança interfere diminuindo a capacidade dos presos de temperar as marmitas servidas pela unidade e reduzindo o acesso a alimentos externos para consumo, visto que passaram a depender totalmente do que a unidade oferece. Além disso, interferindo também na rede de comércio extra cárcere, nas feiras que se estabeleciam na frente das penitenciárias com alimentos para “o futuro”, nome dado ao conjunto de itens que os presos podem receber de seus familiares, ou mesmo no comércio dentro da cadeia, onde eram comuns as trocas ou vendas do “futuro”. O que se observa é como o aumento das proibições sinaliza o arrocho institucional punitivista, buscando estender seu controle para mais áreas da rotina do preso e da sua família, e como a alimentação se torna um recurso produtivo na efetivação e coletivização das punições. Ao “puxar cadeia”, todo preso leva consigo uma rede de pessoas que vivem os anos de pena junto. Familiares, principalmente, mães e esposas, vítimas dessa dinâmica são sujeitos fundamentais para identificar e denunciar as violências institucionais, inclusive a partir das filas para visita e entradas na prisão, frequentemente transformando essa vivência em um campo de ativismo.
Conclusões/Considerações finais A alimentação está centralizada na relação preso-família-redes e preso-instituição carcerária, sendo atravessada pelos agenciamentos de gênero e raça. Por fim, é importante mencionar que essa pesquisa se realiza em parceria com a FAPAM e espera contribuir em suas lutas de cuidado e de reivindicação de justiça.
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