Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC19.3 - Pistas para novas epistemologias e o cuidado alimentar e nutricional no SUS

46724 - A CIÊNCIA DA NUTRIÇÃO EM QUESTÃO: NUTRICIONISMO E NUTRICÍDIO EM DEBATE.
VIVIANE MARINHO - INJC/UFRJ, FERNANDA FERRINI DA SILVA - INJC/UFRJ, GEOVANNA GUEDES DIAS - INJC/UFRJ, LUDMILLA GOMES DE SOUZA - INJC/UFRJ, MARIANA PERRONIO - INJC/UFRJ, SAMARA CAROLINE FERREIRA - INJC/UFRJ, TAIS DE MOURA ARIZA ALPINO - CEPEDES/ FIOCRUZ, FERNANDA RIBEIRO DOS SANTOS DE SÁ BRITO - INJC/UFRJ


Apresentação/Introdução
O campo da Alimentação e Nutrição, área do conhecimento que ganhou fôlego nas últimas décadas, evidenciando as interfaces entre as Ciências Sociais e Humanas e a nutrição, se tornou terreno fértil para reflexões sobre a epistemologia desta ciência. Os dilemas atuais do campo dizem respeito sobretudo à falta de acesso a uma alimentação adequada, mas também ao aumento do consumo de produtos ultraprocessados, de baixa qualidade e distantes do que compreendemos como comida de verdade, parte da nossa cultura e ancestralidade, dos modos de cultivo, produção e colheita agroecológicos. Neste sentido, destacamos a importante contribuição de Gyorgy Scrinis para o questionamento das bases teóricas que estruturam a ciência da nutrição. Scrinis apresenta o conceito de nutricionismo, uma visão redutora dos alimentos em calorias e nutrientes isolados, desconsiderando aspectos sociais, ambientais, emocionais, ancestrais, de raça, gênero, entre outros. O autor também destaca que a produção de conhecimento científico não é neutra. As escolhas e caminhos traçados pela ideologia do nutricionismo também dizem respeito a uma ciência compreendida como universal, que é majoritariamente eurocêntrica e estadunidense, como destaca Kilomba.

Objetivos
Realizar um ensaio teórico de aproximação entre o pensamento de Gyorgy Scrinis (2021) e Grada Kilomba (2019), produzindo uma reflexão que aproxima a ciência da branquitude ao conceito de nutricionismo.


Metodologia
Trata-se de um ensaio teórico e reflexivo pautado pelo estudo de Scrinis e sua crítica a uma chamada ideologia do nutricionismo, e pelo pensamento decolonial de Kilomba, importante contribuição para criticarmos a branquitude contida na academia. Realizamos uma discussão sobre uma aproximação da ciência da branquitude ao conceito de nutricionismo, para propor neste ensaio a reflexão sobre o nutricionismo sustentado e produzido pela própria branquitude.

Resultados e discussão
Discussão: As reflexões de Scrinis trazem dois importantes elementos para nossa reflexão. Primeiramente, a abordagem do nutricionismo, paradigma dominante da ciência da nutrição desde o século XIX, não é neutra. Quando optamos por caminhar focando excessivamente em nutrientes e calorias, deixamos de lado o alimento e todas as relações sociais, culturais, políticas e emocionais que atravessam o ato de comer. O que, ao nosso ver, também é parte de um modo de produzir conhecimento e ciência que é expropriador e colonial, que deslegitima e invisibiliza saberes ancestrais e não acadêmicos. Scrinis indica que a ideologia do nutricionismo constrói e preserva a autoridade científica e os interesses de especialistas em nutrição, desvalorizando conhecimentos tradicionais. Inspiradas em Kilomba também nos questionamos sobre quem são os especialistas, quem está no “centro” e quem está à “margem”. O centro é um espaço branco que tem sido historicamente negado aos negros. Para a autora, os conceitos de conhecimento e ciência estão intrinsecamente ligados ao poder e à autoridade racial. Ela denuncia como a academia não é neutra e também produz violências. A manutenção desse espaço de privilégio branco se conecta com a compreensão de “pacto da branquitude”(Cida Bento, 2022).
Um segundo elemento de reflexão é sobre como a abordagem do nutricionismo cria uma eficaz estrutura para “a comoditização da nutrição”, que serve muito bem às multinacionais que fabricam produtos ultraprocessados e que são parte de um sistema alimentar pautado pelo agronegócio e pelo capitalismo. Essas multinacionais utilizam o nutricionismo como forma de monetizar e agregar valor aos seus produtos, vendendo uma imagem enganosa de alimentos “saudáveis” ou “nutritivos”, que na verdade são adoecedores e parte de um sistema alimentar insustentável, que tem gerado impactos ambientais profundos e apagamento de culturas alimentares tradicionais e ancestrais. Esse apagamento de culturas alimentares pode ser considerada uma forma de nutricídio (Llaila O. Afrika), um termo que descreve a morte lenta e gradual da alimentação tradicional e nutritiva em favor de uma dieta baseada em alimentos ultraprocessados. Essa mudança na dieta tem consequências graves para a saúde das populações, especialmente as negras, levando a doenças crônicas, apagamento de modos de viver tradicionais e de identidades comunitárias.

Conclusões/Considerações finais
Em síntese, este trabalho busca estimular reflexões críticas e teóricas acerca da ciência da nutrição, explorando o nutricionismo como uma ideologia reducionista e apagadora das culturas alimentares, que vem a servir aos interesses da indústria de alimentos e do capital. Dessa forma, evidenciamos sua potencial relação com o nutricídio, na medida em que, caminha lado a lado com um modo de produzir conhecimento e de viver que ainda é colonial, que não valoriza saberes não acadêmicos, modos de viver contracoloniais (Bispo dos Santos, 2023). Esperamos que essa abordagem incite futuras investigações e a construção de abordagens críticas a uma nutrição reducionista, tecnicista e biologicista .