Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC20.2 - Violências, racismo obstétrico e (in)justiças reprodutivas

46939 - “MENINA NÃO É MÃE!”: TECENDO REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA PROTEÇÃO DA INFÂNCIA E JUSTIÇA REPRODUTIVA
DAYANE DA ROCHA PIMENTEL - INSTITUTO AGGEU MAGALHÃES, FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, RECIFE, PE, BRASIL, CAMILA PIMENTEL LOPES DE MELO - INSTITUTO AGGEU MAGALHÃES, FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, RECIFE, PE, BRASIL


Apresentação/Introdução
A violência contra a mulher é um fenômeno decorrente da herança patriarcal machista e de estruturas sociais historicamente permeadas por relações desiguais de gênero. Em reflexo, a reprodução da prática de abuso sexual, estupro e hipersexualização do corpo de de crianças e adolescentes, a qual guarda características e dinâmicas particulares e hierarquizam as experiências sociais, também constitui violação máxima aos direitos humanos por desabilitar a dignidade, autonomia, liberdade e o cumprimento elementar de proteção da infância. A invisibilidade e tolerância estatal acerca da temática desconsidera os impactos relacionais que podem ser ocasionados em saúde mental, exposição às infecções sexualmente transmissíveis, gravidezes não planejadas e/ou desfechos negativos no ciclo gravídico-puerperal, evasão escolar, transmissão intergeracional da violência etc.

Objetivos
Caracterizar o perfil de gestações e nascimentos de meninas mães de 10 a 14 anos no estado de Pernambuco.

Metodologia
Trata-se de um estudo transversal de caráter quantitativo realizado no estado de Pernambuco, situado na região Nordeste do Brasil. A população de estudo foi constituída por nascidos vivos de mães residentes com idade entre 10 a 14 anos no período de 2012 a 2021 como proxy para subsidiar a discussão sobre estupro presumido (conforme definição da súmula nº 593/2017 do Supremo Tribunal Federal). Os dados foram obtidos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), que possui como instrumento de coleta a Declaração de Nascido Vivos, por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) do Ministério da Saúde. A seleção das variáveis do estudo permitiu caracterizar a mãe (macrorregião de residência, escolaridade e situação conjugal), o pré-natal (tipo de gravidez, duração da gestação, quantidade de consultas e adequação quantitativa do pré-natal), a assistência ao parto (local de ocorrência, tipo de parto e grupos de Robson) e dados do nascimento (raça/cor, peso ao nascer, índice de Apgar no 1º e 5º minuto e detecção de anomalia congênita). Obteve-se a descrição dos dados mediante a distribuição de frequências, medidas de tendência central e dispersão. O processamento e análise dos dados foi realizado no Tabnet e no software IBM SPSS® Statistics versão 22. Foram utilizados dados secundários e de domínio público que não possibilitam a identificação pessoal, sendo assim dispensada a aprovação em Comitê de Ética em Pesquisas.

Resultados e discussão
Entre 2012 a 2021 foram registrados 28.789.402 nascidos vivos no Brasil, sendo 0,8% (n=233.000) equivalente a mães com idade entre 10 a 14 anos. Nesta especificidade, a região Nordeste se destaca com a representação de 38,1% (n=88.682) dos casos e o estado de Pernambuco configura em 3º lugar (n=13.284; 15,0%) no ranking das unidades federativas adscritas, constituindo-se, assim, como objeto de análise do presente estudo. As características das mães revelam residência na macrorregião Metropolitana (n=7.248; 54,6%), escolaridade entre 4 a 7 anos completos de estudo (n= 9.113; 68,6%) e situação conjugal solteira (n= 10.093; 76,0%). A gravidez foi considera do tipo única (n=13.170; 99,1%), com duração entre 37 a 41 semanas (n=9.943; 74,8%), com a realização de 7 ou mais consultas (n=6.997; 52,7%) e adequação quantitativa definida como “mais que adequado” (n=4.138; 31,2%). O local de ocorrência do parto foi em ambiente hospitalar (n=13.191; 99,3%), via vaginal (n=8.773; 66,0%) e categorização incluída no grupo 1 da classificação de Robson (n=5.864; 44,1%). Em relação ao recém-nascido, houve o predomínio da raça/cor parda (n= 10.714; 80,7%), peso ao nascer entre 3.000g a 3.999g (n= 7.344; 55,3%), índice de Apgar entre 8 a 10 no 1º (n= 11.128; 83,8%) e 5º (n= 12.719; 95,7%) minuto e ausência de anomalia congênita (n= 13.101; 98,6%). Apesar dos avanços ocorridos no Brasil no que se refere às regulamentações legais, acordos internacionais e estruturação das redes de serviço, o cenário de criminalização ou imposição de barreiras no acesso ao aborto legal previsto em casos de estupros, contribui para a perpetuação de ciclos de pobreza e violência. É necessário localizar que “menina não é mãe” e adotar a lente da interseccionalidade para a compreensão da problemática, alargando, por conseguinte, a discussão sobre a responsabilização do Estado e o efetivo exercício de justiça reprodutiva.

Conclusões/Considerações finais
Com o esvaziamento de prioridades na formulação de políticas públicas para preservar os direitos conquistados das mulheres e meninas, acentuada em período recente de retrocesso democrático e liberalismo reacionário, os riscos às populações mais vulneráveis, à exemplo das negras e pobres, se sobrepõem. O estupro de vulnerável é um problema de saúde pública complexo e exige frentes intersetoriais de enfrentamento que perpassem desde o acesso à informação segura, divulgação dos serviços de referência para atenção à violência sexual, cumprimento do aborto legal em casos previstos à mecanismos de proteção social.