Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC20.3 - Atenção à saúde reprodutiva e saúde fetal/neonatal

46538 - NARRATIVAS SOBRE PARIR E NASCER: DO RIO DE JANEIRO AO VÃO DE ALMAS.
GISELE OLIVEIRA MUNIZ - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


Apresentação/Introdução
Esse trabalho apresenta reflexões sobre narrativas acerca de parto e nascimento, vivenciadas entre o final da década de 1990 e o ano de 2015, em dois diferentes contextos: com mulheres quilombolas do Vão de Almas, território Kalunga, no interior do estado de Goiás, e com mulheres do Estado do Rio de Janeiro, em contexto citadino.
O objetivo inicial da pesquisa era realizar uma etnografia da prática das parteiras Kalunga, a fim de conhecer e refletir sobre os seus saberes, modos de atuar no cenário obstétrico local e seu reconhecimento, dentro da comunidade e pelos órgãos e políticas de saúde. Contudo, a partir da primeira ida a campo, ao me deparar com um cenário diferente do esperado, o trabalho ganhou novas formas e rumos.



Objetivos
Compartilhar o conhecimento produzido durante a pesquisa, visando possibilitar reflexões sobre os processos de medicalização do parto no Brasil e os impactos gerados, sobretudo, na vida das mulheres, famílias e parteiras quilombolas Kalunga e desse modo, contribuir para os processos de produção e implementação de políticas de saúde voltadas para gestantes, principalmente as que estão situadas em contextos periféricos e comunidades tradicionais.

Metodologia
Os métodos utilizados para realização da pesquisa são de ordem qualitativa, com pesquisa etnográfica junto às mulheres Kalunga, durante 20 dias, nos meses de dezembro de 2014 e julho de 2015, realizando entrevistas e coleta de narrativas com parteiras, mães e familiares, sobre partos na região.
No Rio de Janeiro, produzi relatos da minha experiência como doula e recorri à análise de relatos de parto escritos (publicados em redes sociais e compartilhados em grupos virtuais) e orais (compartilhados em rodas de gestantes que eu coordenava).
O uso de narrativas como um dos objetos da pesquisa, buscou contemplar as diversas vozes dessas mulheres e o seu modo de contar as suas experiências.


Resultados e discussão
O processo de medicalização do parto, como modelo hegemônico e universal, vem causando grandes impactos no cenário do nascimento brasileiro, ao atingir índices alarmantes de cesarianas, sem indicação adequada, além de altos índices de intervenções médicas no processo fisiológico do parto, conforme podemos verificar com os resultados da pesquisa Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento (FIOCRUZ, 2014).
Como doula e pesquisadora sobre o cenário obstétrico brasileiro, me interessei por compreender como se davam os modelos de assistência fora de contextos urbanos. Assim, decidi dedicar a minha pesquisa de mestrado aos estudos sobre “parteiras tradicionais”, me interessando especialmente pelas parteiras quilombolas Kaluga (Goiás), buscando informações sobre seus saberes, práticas e as políticas de integração das parteiras com o SUS.
Na primeira experiência de trabalho de campo, encontrei um cenário bastante diferente do que eu imaginava e tinha acesso nas informações encontradas: no território Kalunga, as gestantes vivenciavam um processo de hospitalização do parto, que vem ocorrendo desde o final dos anos 90, com uma suposta proibição da atuação das parteiras. Com isso, as parteiras locais deixaram de ser referência na assistência ao parto, que passou a ser realizado nos hospitais dos municípios do entorno. Devido à distância entre as comunidades Kalunga e os hospitais, torna-se necessário o deslocamento dessas mulheres para as cidades com certa antecedência para aguardarem o trabalho de parto.
Os relatos das mulheres Kalunga sobre as suas experiências de parto, me conectaram com as experiências das mulheres que eu acompanhava, como doula, no Rio de Janeiro. Apesar das especificidades territoriais, raciais e sociais, foi possível notar experiências similares que se deram em relação ao processo médico-hospitalar, revelando tensões e conflitos, mas também resistências e formas de articulação dos conhecimentos dessas mulheres nas situações de enfrentamento.




Conclusões/Considerações finais
Não foi uma tarefa fácil realizar uma aproximação entre dois contextos tão distintos, evitando cair nos erros comuns de comparações equivocadas ou simplificações. Minha intenção foi conjugar essas experiências em dois importantes aspectos que se revelam nos processos: se por um lado verificamos o processo de medicalização do parto, que atinge às duas regiões, como um modelo produtor de violência obstétrica, que subjuga os saberes femininos, “retira” as mulheres de cena, como protagonistas seus partos e marginaliza a prática – antes, hegemônica – das parteiras; por outro lado, observamos que no processo histórico de “dominação de gênero” na parturição, as mudanças não aconteceram sem resistências, e ainda que as mulheres vivenciem atualmente um cenário altamente medicalizado e opressor, a cada experiência esses domínios de saberes são, de algum modo, questionados, confrontados e renegociados, há potências a serem reconhecidas.