Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC24.3 - "Nada sobre mim, sem mim": racismos, territórios e saúde integral

46467 - POLÍTICA DE DROGAS, ENCARCERAMENTO E VULNERABILIDADE SOCIAL. APROXIMAÇÕES ENTRE PORTUGAL E BRASIL
MAYALU MATOS SILVA - ENSP/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
Esse trabalho aborda as políticas de drogas, destacando seu impacto diferenciado entre o norte e o sul global e sobre populações vulnerabilizadas. Embora as convenções de controle de drogas sejam mundiais, a forma como os países colocam essas diretrizes em ação é diferenciada. A Guerra às Drogas, aplicada na América Latina, justifica a militarização na região , cujo comércio de drogas é marcado pela violência armada e pela presença do crime organizado, influenciando as altas taxas de homicídios. Já a Europa tem ocupado majoritariamente o lugar de mercado consumidor de substâncias produzidas em outros locais, sem grandes expressões de violência relacionadas ao mercado de drogas e com foco de atuação na saúde pública. Propomos uma aproximação de contextos entre dois países localizados nessas regiões, observando os impactos que a Política de drogas ilícitas tem sobre o sistema prisional de Portugal e do Brasil, países que representam enfoques distintos em relação ao tema no que diz respeito à saúde pública e direitos humanos.

Objetivos
Refletir sobre impactos da política de drogas no encarceramento de populações vulneráveis tomando como base do estudo Portugal e Brasil, a partir da construção de séries históricas com dados disponíveis sobre encarceramento e política de drogas em cada país.

Metodologia
Foram compilados dados sobre encarceramento em sistemas de informação nacionais de acesso irrestrito, para criação de séries históricas nos períodos seguintes às mudanças na legislação sobre drogas (ano 2000 - Portugal, ano 2006 - Brasil) até o ano 2019. Fontes de dados em Portugal: Direção-Geral da Política de Justiça do Ministério da Justiça (DGPJ/MJ) e do Instituto Nacional de Estatística (INE) na plataforma PORDATA e da Divisão Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP/MJ). E no Brasil: relatórios analíticos e sintéticos do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (INFOPEN/MJ) e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados foram analisados em diálogo com a literatura acadêmica.

Resultados e discussão
A ocupação efetiva das prisões em Portugal girou em torno de 100% e as taxas de encarceramento em torno de 120/100 mil, com impacto decrescente dos crimes sobre drogas (42% para 19%). A prisão preventiva diminuiu (30% para 18%). No Brasil, a ocupação efetiva das prisões gira em torno de 160% e as taxas de encarceramento subiram de 200/100 mil para 360/100 mil, com impacto crescente dos crimes sobre drogas (12% para 26%). A prisão preventiva tem leve tendência de queda (46% para 40%). Há desproporcionalidade de raça-cor, com predomínio para a população negra, dados que não são produzidos em Portugal, o que dificulta essa visualização, embora a literatura acadêmica mostre que no sistema prisional deste país também há desproporcionalidade de encarceramento de pessoas de minorias étnico-raciais, como negros e ciganos. Em ambos os países os presos são sobretudo pessoas que não completaram o ensino básico, o que é um indicativo de vulnerabilidade social e falta de oportunidade.

Conclusões/Considerações finais
A forma como esses países desenvolvem suas políticas de drogas são exemplos das relações de poder que se colocam de forma diferenciada entre o norte e o sul global. Portugal tem uma abordagem integrada e baseada na saúde pública, com resultados virtuosos. No Brasil a abordagem é centrada no sistema penal e de justiça, ratificando o ideal da Guerra às Drogas, com resultados não só insuficientes para os problemas que se apresentam, mas também iatrogênicos.

Não obstante essas diferentes abordagens e seus resultados díspares, os dados mostram que a política de drogas afeta transversalmente o sistema prisional, sobrecarregando o mesmo com populações racializadas, que são as principais vítimas de um encarceramento desproporcional em ambos os países. A falta de oportunidades de geração de renda que historicamente recaem sobre essas populações, tornam as mesmas vulneráveis a serem cooptadas pelos mercados ilegais de drogas, em postos de trabalho que são alvo preferencial do Estado. A mais valia do mercado de drogas é feita em cima daqueles que não conseguem estudar e estão excluídos socialmente, restando para essas pessoas o mercado da ilegalidade. Esse processo mantém e amplia a desigualdade social, ao incidir preferencialmente sobre esta população.

No entanto, o enfoque distinto da questão das drogas em ambos os países mostra diferentes tendências também em relação ao encarceramento. Portugal vem diminuindo o impacto dos crimes de drogas no encarceramento total, já no Brasil a tendência é de aumento deste impacto, com efeitos devastadores, que são agravados pela extrema desigualdade e pobreza de massa, que contribuem para um agravamento da situação e onde a política de drogas vem crescentemente contribuindo não só para o encarceramento, mas também para os altos índices de homicídios no país, o que é uma situação praticamente ausente em Portugal, no que diz respeito a este tema das drogas.