Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC24.3 - "Nada sobre mim, sem mim": racismos, territórios e saúde integral

46736 - ATENÇÃO ÀS PESSOAS QUE USAM DROGAS: APROXIMAÇÕES ENTRE BIOÉTICA E UMA ABORDAGEM CRÍTICA DA COLONIALIDADE DO PODER
CAROLINA EIDELWEIN - UFSC, DIPAULA MINOTTO DA SILVA - UFSC, SULIANE MOTTA DO NASCIMENTO - UFSC, MIRELLE FINKLER - UFSC


Contextualização
A Bioética encontra críticas em seu processo de conformação disciplinar no país, à medida que, muitas vezes, importa objetos, conceitos e construções teóricas de países do Norte global, os quais se distanciam das demandas de nosso contexto social, cultural e político. A Saúde Coletiva no âmbito acadêmico, por sua vez, tem relegado algumas discussões candentes em nossa sociedade a um lugar secundário, temático, como é a problemática das drogas, do encarceramento em massa, das múltiplas violências que se naturalizam entre nós.

Descrição
Trata-se de uma experiência de aproximação de certa reflexão bioética em relação à temática das drogas no Brasil, desde a perspectiva crítica da colonialidade, que teve lugar em um dos seminários que compôs um ciclo organizado na disciplina de Bioética em Saúde Coletiva no PPG em Saúde Coletiva da UFSC, em Florianópolis-SC.


Período de Realização
Junho de 2023

Objetivos
Em busca de colocar esse debate no horizonte de nossas práticas tanto na educação, quanto na atenção e na gestão em saúde, incluindo a dimensão da participação social, é que propusemos o tema do cuidado às pessoas que usam drogas como objeto de análise.

Resultados
O reconhecimento de aspectos do colonialismo no contexto do uso de drogas no Brasil e na América Latina faz ver que as narrativas dos usuários estão ausentes/incipientes no âmbito da formulação de políticas e da produção de conhecimento; que a política de segurança pública tem priorizado práticas de violência, extermínio e encarceramento, sobretudo de grupos jovens negros periféricos; que o Estado tem pouco alcance na tarefa de redução da oferta e coibição do uso ilegal de substâncias; que o discurso religioso dogmático tem sido balizador de equipamentos voltados ao cuidado; que predominam nas narrativas oficiais o racismo, o machismo e o controle dos corpos e prazeres; que o discurso científico ainda se coloca a partir de uma intelectualidade eurocêntrica e a própria possibilidade de emergência de alternativas para lidar com os problemas decorrentes do uso de drogas encontra-se interditada por conta dos modos colonizados com que temos nos relacionado com essas questões.

Aprendizados
Desconstruir esse saber-fazer requer uma perspectiva crítica da colonialidade do poder, a fim de reconhecer o caráter permanentemente colonial do Estado. O giro paradigmático que o pensamento de Aníbal Quijano introduz nos modos de pensar a história e a sociedade atribui à ideia de raça a centralidade para a compreensão das desigualdades, e o racismo como mecanismo que precede a raça - ele a cria, como produto da estratégia racista dos expropriadores. Para a ordem moderna colonial monopolista, o outro representa um incômodo, realidade que deve sempre ser filtrada pela grade de um equivalente universal. Na América Latina, temos dificuldades em “nomear” a raça e construir uma retórica antirracista a partir da nossa própria história e configuração como sociedades fundadas sobre o genocídio. Para Segato (2021), a abordagem decolonial é a ferramenta para essa desconstrução.

A partir desse olhar, um projeto de decolonização da bioética requer considerar as conexões entre as diversas formas de vulneração social, sua intersecção/entrecruzamento que acirra cada uma delas. O fenômeno da vulneração econômica é complicado e amplificado pelas relações raciais, de gênero, etárias e de orientação sexual, por exemplo. A bioeticista Fátima Oliveira denunciava que a bioética tem por corriqueira a reflexão que parte de um ser humano abstrato, a partir do qual efetiva suas análises e atuações.
A relação entre as pessoas vulneradas e as situações avaliadas pela bioética merecem atenção, considerando que a participação das comunidades, sobretudo por meio da representação, é ainda bastante pequena. É preciso enfrentar a questão de Spivak de que os segmentos subalternizados pela dinâmica colonial hierarquizante não falam, mesmo em contextos atravessados pela estratégia da afirmação da equidade. A comunicação, sobretudo na política, é um fenômeno relacional que supõe receptores capazes de escutar, sem silenciamentos - capacidade que inexiste em contextos coloniais.


Análise Crítica
Para a defesa da parcela mais atingida pelos processos de vulneração social, propõe-se que estratégias como a crítica, o diálogo, a relação com o Estado sejam revisados desde a perspectiva dos mais vulnerados e não apenas para os mais vulnerados. A Bioética de Intervenção, elaboração brasileira, tem sido apontada como caminho, por se mostrar aberta a dialogar com outras epistemologias do Sul, ao tratar dos problemas persistentes e emergentes. Propõe a resolução dos diversos conflitos morais com base na compreensão, na corporeidade, na pluralidade moral e na proteção social. Busca promover a justiça, reconhecer a cidadania, respeitar a autonomia e garantir direitos fundamentais e políticos. Ainda que os estudos em bioética publicados no Brasil pouco tenham se ocupado da questão das drogas, especificamente, reconhecemos aí uma pista a ser perseguida em busca da ampliação de nossas análises.