03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC24.3 - "Nada sobre mim, sem mim": racismos, territórios e saúde integral |
46790 - A DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA EM DIÁLOGO COM AS INIQUIDADES RACIAIS EM SAÚDE BUCAL DOS POVOS INDÍGENAS LUCAS FERNANDO RODRIGUES DOS SANTOS - FIOCRUZ PE; UFPE-CAV, TAINÁ FAUSTINO MAFRA - FIOCRUZ PE, HERIKA DE ARRUDA MAURICIO - UPE-FOP, RAFAEL DA SILVEIRA MOREIRA - FIOCRUZ PE; UFPE-CCM
Apresentação/Introdução A abordagem da Determinação Social do processo saúde-doença-cuidado (DSPSD), diferenciando-se da difundida abordagem dos determinantes sociais da saúde, entende a saúde articulada com processos sociais e históricos. Toma os modos de organização, formação e reprodução social, e suas consequências sobre a saúde populacional, como fundamental para a análise da realidade concreta. Nesse sentido, tal abordagem se distancia de uma proposta biologicista e descontextualizada, que aprofundaria a culpabilização individual sobre a gestão da saúde, posicionando-se em uma disputa ideológica que questiona sobre a necessidade de mudanças estruturais para promoção concreta da saúde, almejando uma sociedade sem desigualdades injustas e evitáveis.
Objetivos O objetivo deste ensaio é de elaborar reflexões críticas sobre as iniquidades raciais em saúde bucal dos povos indígenas sob a perspectiva da abordagem da DSPSD.
Metodologia Um ensaio crítico nos temas da saúde bucal de povos indígenas, iniquidades raciais em saúde e a abordagem da Determinação Social da Saúde foi conduzida. Reflexões sobre a articulação dos temas são apresentadas e debatidas.
Resultados e discussão Vários países construídos sobre os legados coloniais de escravidão, exploração e racialização apresentam um perfil intenso e violento de desigualdades raciais na saúde, enquadrando-se como iniquidades em saúde, intrinsecamente vinculadas à inabilidade de tratar o evitável, injusto e opressor processo histórico-político denominado racismo, que se materializa como discriminação racial. O racismo ultrapassa a discriminação à nível individual, alcançando expressões institucionais e estruturais, por sua produção e reprodução em normas socioculturais, sistemas político-econômico-jurídicos e modos de socialização. Abordar a extensão da iniquidade entre grupos racialmente identificados, requer não apenas modificar comportamentos individuais, mas também desmoronar as políticas, processos institucionais, ideologias, estruturas de poder e dinâmicas sociais que sustentam o racismo e as hierarquias raciais. A discussão da saúde de grupos populacionais racializados, como os povos indígenas, precisa incorporar os impactos trágicos de um legado colonialista, via políticas e processos de invasão e concentração da propriedade da terra, o argumento de inferioridade ou primitivismo, a prática de tutela, assimilação e aniquilação cultural, segregação racial habitacional e educacional, exploração da força de trabalho, que perduram até os dias de hoje. O racismo impacta em todas as facetas da saúde e do bem-estar, incluindo a saúde bucal. É fundamental superar a abordagem metodológica do racismo como um simples fator de risco ao adoecimento, passando a compreendê-lo como um sistema de opressão multinível com dimensões estruturais, institucionais e culturais, que atravessa, portanto, vários domínios da vida, e como um elemento fundante das sociedades contemporâneas. Funciona como motor de inúmeros mecanismos subjacentes às precárias condições de saúde bucal das populações racializadas. O campo da saúde bucal, no qual o presente debate se insere, permite um olhar diferenciado acerca das injustiças sociais na medida em que é capaz de refletir simultaneamente circunstâncias materiais desiguais, acesso desigual aos serviços de saúde e iniquidades sociais estruturais ao longo da vida. As iniquidades em saúde bucal entre os povos indígenas são particularmente elevadas em diversos países, havendo uma relação concreta entre a adoção de políticas neoliberais e o aumento de desigualdades sociais, com mais comunidades vivendo na pobreza, produzindo, consequentemente, impactos na saúde bucal desses povos. As formas pelas quais o racismo opera na produção das iniquidades em saúde bucal dos povos indígenas são sintetizadas em três principais aspectos: acesso desigual aos serviços e/ou recebimento de cuidados de menor qualidade; consequências psicológicas e fisiológicas nos sujeitos; discriminação de prestadores de serviço odontológico com usuários indígenas.
Conclusões/Considerações finais As estratégias para reduzir as iniquidades raciais em saúde bucal são variadas, coletivas e intrinsecamente intersetoriais. Exigem um compromisso antirracista amplo e sustentado, visando influenciar os domínios de poder do sistema de discriminação racial, reduzir o impacto racista no sistema jurídico, educacional, e de saúde, e apontar a responsabilização da estrutura social. Em uma perspectiva que vise a eliminação concreta do racismo estrutural e das iniquidades raciais em saúde bucal, retoma-se o questionamento imperativo sobre a necessidade de mudança sistêmica radical que emerge a partir da abordagem da Determinação Social da Saúde. De maneira a superar as concepções ideológicas da gestão neoliberal do capitalismo, e o fardo político-econômico-jurídico que estas produzem sobre os grupos racialmente marginalizados, alternativas críticas e transformadoras precisam ser imediatamente buscadas. As vias do capital e mercadológicas não devem ser, e não são, inevitáveis, ou mesmo, o fim da história.
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