Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC25.4 - Regionalização, intersetorialidade e saúde digital na APS

46583 - REFLEXÕES SOBRE SABERES E PRÁTICAS PARA A INTEGRALIDADE DO CUIDADO A PARTIR DA PERSPECTIVA DECOLONIAL
MARIA BEATRIZ LISBÔA GUIMARÃES - UFPE, JOÃO ARRISCADO NUNES - UNIVERSIDADE DE COIMBRA


Apresentação/Introdução
As abordagens decoloniais têm um importante papel a desempenhar na reparação e reconstrução crítica da condição humana, uma vez que se abrem para a incorporação de saberes e práticas, que apesar de estarem presentes na sociedade, encontram-se subalternizados e invisibilizados. São muitos os desafios para a efetiva incorporação desses saberes no rol daquilo que é considerado válido e aceito como conhecimento, uma vez que a exclusão de conhecimentos imposta pela ciência moderna recai sobre tudo aquilo que não pode ser mensurado e/ou avaliado por meio de seus critérios (Guimarães et al., 2020).

Objetivos
Este trabalho se propõe a refletir acerca das relações entre a biomedicina e os saberes e práticas tradicionais, complementares e integrativos, exploradas a partir da produção do conhecimento sobre as dimensões do saber, do poder e do ser na perspectiva decolonial, em especial das Epistemologias do Sul.

Metodologia
Trata-se de um estudo de natureza teórico-conceitual, por meio de análise bibliográfica.

Resultados e discussão
No campo da saúde, o saber colonial representado pela biomedicina é identificado com a verdade e subordina os outros saberes à sua lógica de dominação, deslegitimando-os e fazendo crer que existe uma neutralidade do saber centrado em uma única forma hegemônica (Quijano, 2005; Santos, 2018). Calcada na epistemologia colonial, a biomedicina tende a considerar somente os aspectos biológicos/físicos e agudos do adoecimento, e a reduzir o sujeito à doença.
Por outro lado, em afinidade com a perspectiva decolonial, as práticas integrativas e complementares em saúde (Pics) têm como uma de suas características a integralidade, que demanda uma visão ampliada das necessidades de saúde das pessoas e integra as suas mais diversas dimensões – físicas, psíquicas, sociais, espirituais. Isto é relevante pois muitos dos problemas de saúde que a população enfrenta não foram colocados pela biomedicina e esta sequer pode resolvê-los, tais como o sofrimento difuso, a violência e a cronicidade do adoecimento. Fato constatado na medida em que a maior parte dos sofrimentos não tem uma nosografia biomédica. Portanto, o olhar para os problemas de saúde deve vir a partir das pessoas que sofrem e que ultrapassam o olhar biomédico (Guimarães et al., 2020).
O poder colonial na saúde se expressa por meio do complexo médico-industrial, estruturado em torno da indústria farmacêutica e de equipamentos médicos, à serviço de interesses coloniais e de mercado. Este modelo está em afinidade com a biomedicina, centrada na prática hospitalar, com foco nas especialidades médicas e que requer a utilização intensiva de tecnologias e medicamentos, indisponíveis para a maior parte da população.
A decolonização do poder parte do reconhecimento da diversidade de culturas, reconhecendo as relações desiguais de dominação e opressão entre os diferentes saberes e práticas (Quijano, 2005). No campo da saúde, a Atenção Primária, assim como as Pics, buscam atender as necessidades dos indivíduos com recursos comunitários de vários tipos, utilizando meios terapêuticos tecnológicos mais simples e de baixo custo. Não é à toa que 90% das Pics estão nesta instância. Promover o acesso aos diversos recursos terapêuticos e a outras formas de cuidado, com distintas racionalidades, contribui para o acesso mais democrático e a garantia do direito de ser na saúde (Pinheiro; Mattos, 2005), permitindo aos sujeitos participar ativamente da decisão referente ao próprio tratamento.
Por fim, o colonialismo do ser opera na subjetividade por meio das identidades que fixam e subjugam: o europeu, o índio, o negro, demonstrando como o poder hierarquiza as identidades (Maldonado-Torres, 2009). No campo da saúde opera por meio do modelo biomédico, que subjuga os indivíduos a lidar com o processo saúde-doença a partir desse paradigma. Estruturado com base no pensamento materialista/cartesiano e apoiado pelos interesses financeiros domina e se impõe como único conhecimento válido.
O vitalismo na saúde possui afinidade com a perspectiva decolonial do ser, em afinidade com as Pics. A saúde é concebida de forma holística, sendo a dimensão subjetiva da existência valorizada (Nascimento, 2012). Os procedimentos adotados visam estimular o potencial de reequilíbrio do ser, que inclui um processo emancipador e de autoconhecimento.
Para avançarmos no sentido da decolonização do ser, outros saberes e práticas de cuidado à saúde devem ser incorporadas, como os campos da espiritualidade e das artes, por se constituírem em práticas terapêuticas, uma vez que produzem mutações no campo da subjetividade, sendo necessárias para a completude do sujeito.


Conclusões/Considerações finais
O campo da saúde tem um papel central a desempenhar em todo esse processo, mas falta ampliar sua concepção de saúde incorporando a diversidade e pluralidade de saberes e práticas sociais, de modo a contribuir no sentido da implementação de políticas de emancipação que efetivamente atendam as necessidades de saúde da população.