03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC25.4 - Regionalização, intersetorialidade e saúde digital na APS |
47115 - EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS E EPISTEMOLOGIAS DO CUIDADO: UMA ETNOGRAFIA DO FIM DE VIDA EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ALISON DOUGLAS DA SILVA - UNICAMP, JUAN CARLOS ANEIROS FERNANDEZ - UNICAMP
Apresentação/Introdução A vivência do fim de vida coloca os sujeitos diante de dilemas elementares da existência humana. Ao se deparar com o fim de vida, o sujeito se vê impelido a conferir um sentido ao modo como viveu, às decisões que tomou e a maneira como construiu suas relações. Ou seja, reflexões sobre o sentido da existência. Morin (1979) argumenta que a constatação da morte como fato, convida os sujeitos a elaborarem um modo de responder a angústia que essa constatação deflagra. Uma vez que a racionalidade científica não oferece uma resposta objetiva sobre o problema, não é raro a elaboração dessa experiência a partir da utilização de saberes diversos, ainda que nos contextos de cuidado seja pequena a abertura para o uso de saberes não formais na realização das práticas. Para o fim de vida, um saber que nos parece potente para responder as demandas de cuidado é o saber prático produzido a partir do conhecimento da história de vida dos sujeitos que estão vivendo esse momento. A experiência prática dos familiares e acompanhantes pode contribuir para a construção de práticas mais conectadas aos valores e desejos do sujeito em fim de vida, constituindo-se assim como uma tecnologia leve (MEHRY, 2010) imprescindível ao bom cuidado. Ao levar esse conhecimento a sério, abre-se a possibilidade da construção de um caminho para efetivação de uma das dimensões da integralidade.
Objetivos Com esta pesquisa procurei compreender de que forma a equipe assistencial considera a experiência prática de familiares e acompanhantes dentro das suas estratégias de cuidado. Procurei ter atenção com o lugar dado as histórias de vida e aos projetos existenciais dos sujeitos a qual se destina o cuidado. Busquei identificar ainda de que modo se dá a interação estabelecida entre a equipe assistencial e os familiares/acompanhantes dos indivíduos internados.
Metodologia Para responder essas questões realizei uma imersão etnografia (GEERTZ, 2010) em uma enfermaria de retaguarda de uma Unidade de Terapia Intensiva de um hospital de grande porte. Para além das interações de observação e acompanhamento típicos de uma imersão etnográfica nos espaços de cuidado, realizei entrevistas em profundidade com familiares/acompanhantes de sujeitos em fim de vida e, acompanhei, durante 3 meses, as visitas à beira leito da equipe de cuidados do setor. Por se tratar de um hospital de grande porte, o mesmo ocupa um lugar estratégico na rede de atenção à saúde, uma vez que dispõe de estrutura para realizar procedimentos de alta complexidade. O lugar que o hospital ocupa na RAS produz um alto fluxo de encaminhamentos de pacientes e acompanhantes, vindos de diversos municípios. Considerando que o hospital não dispõe de uma hospedaria para familiares e acompanhantes, é comum que esses sujeitos acompanhem todo o processo de internação nos múltiplos espaços do hospital. Grande parte da interação com esses sujeitos se dava nas brechas desses momentos.
Resultados e discussão Os resultados mostram que, em contexto de fim de vida, é comum que os indivíduos recorram a saberes diversos para produção de sentido e elaboração das experiências de vida e de cuidado. Pude acompanhar o trajeto terapêutico de 13 sujeitos, diagnosticados como pacientes em fim de vida. Desses, nove foram a óbito durante o processo de pesquisa, o que demonstra certa eficácia do parâmetro diagnóstico referido. Com a imersão etnográfica foi possível identificar certa dificuldade da equipe de cuidados de incluir a história de vida e os projetos existenciais dos sujeitos no plano de cuidado. Em muitos momentos a atenção e o foco da equipe estava concentrado em parâmetros biológicos e morfofuncionais, ainda que as interações que acompanhei tenham se dado sempre de forma gentil. Sobre as interações estabelecidas, nota-se um cuidado da equipe em tornar a experiência mais confortável, ainda que a própria estrutura institucional coloque desafios para que isso se torne possível. Um exemplo a esse respeito é a ausência de espaço de repouso para os familiares/acompanhantes. Por fim, avalio que esse trabalho evidencia a necessidade de uma disposição atencional, que vá além das boas intenções, na construção da integralidade do cuidado. E que essa disposição esteja aberta ao conjunto de conhecimentos a disposição no mundo. Saberes práticos (AYRES, 2004), saberes de fresta (SIMAS, 2018), saberes sensíveis (MAFFESOLI, 2010), que cooperam para a produção de sentido das experiências humanas.
Conclusões/Considerações finais Diante dos resultados e discussões apresentados, fica evidente a importância de uma abordagem mais abrangente no cuidado oferecido pela equipe assistencial aos pacientes em fim de vida e seus familiares/acompanhantes. Ressalto ainda, a importância da construção de práticas que que consigam ir além das fronteiras científicas, valorizando e integrando outros saberes nas estratégias de cuidado, podendo contribuir assim na consolidação do princípio da integralidade.
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