Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC25.4 - Regionalização, intersetorialidade e saúde digital na APS

47740 - A CNAIDS E AS MULHERES: UMA PERSPECTIVA AVALIATIVA SOBRE O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA POLÍTICA NACIONAL HIV/AIDS, NO PERÍODO DE 2007 A 2019
VALERIA MARINHO NASCIMENTO SILVA - FIOCRUZ, ROSENI PINHEIRO - UERJ


Apresentação/Introdução
O dia 11 de abril de 2019 registra a publicação do Decreto nº 9.759, que extinguiu e definiu diretrizes, regras e limitações para os colegiados da administração pública federal. Embora a exposição de motivos anexa ao Decreto mencione o foco na racionalização administrativa, chama a atenção a falta de um exame sobre os impactos desse ato normativo, como a dissonância com a Constituição Federal (CF) de 1988, que prevê a participação popular por meio de instrumentos constitucionais e legais. A CF foi apelidada de Carta Cidadã por conter, além das garantias e direitos individuais, direitos sociais e mecanismos de expressão da vontade popular, para o efetivo exercício da cidadania. Em junho de 2019, em medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6121, o Supremo Tribunal Federal suspendeu parcialmente o Decreto nº 9.759 até que seja realizado um exame definitivo da ADI. O órgão também decidiu que os colegiados mencionados em lei não poderiam ser extintos. De caráter consultivo e criada em 1986, a Comissão Nacional de Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/AIDS e das Hepatites Virais (CNAIDS) foi extinta pelo Decreto supracitado.

Objetivos
Esta pesquisa teve como objetivo geral avaliar a participação da sociedade civil nos processos participativos da política nacional de HIV/aids, de 2007 a 2019, sendo considerada, como condição traçadora, as demandas das mulheres.

Metodologia
Utilizaram-se como estratégia avaliativa a dimensão de uma metodologia de análise de processos participativos em políticas públicas e a proposição teórico-empírica do campo da saúde coletiva denominada de prática avaliativa amistosa à integralidade, com o traçador analítico ‘mulher’, em uma instância federal: a CNAIDS. Utilizaram-se as variáveis ‘procedimentos de seleção’ e ‘agenda'.

Resultados e discussão
Os resultados da primeira variável apontaram para três práticas participativas permeáveis à integralidade (PPPI): eleição de representantes da sociedade civil nos encontros de ONGs; eleição do secretário executivo por membros da CNAIDS, bianualmente; e seleção de representantes da SC para Grupos de Trabalho e eventos. O cargo de coordenador da CNAIDS era estabelecido em Portaria, considerando como prática normativa de caráter político. Escolhas de membros da comunidade técnico-científica e do governo seguiam o critério de existência de trabalhos em parceria com o Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, sendo consideradas práticas colaborativas seletivas. Destaca-se a entrada tardia de representantes de mulheres na CNAIDS: a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, em 2010, e o Movimento Nacional de Cidadãs Posithivas, em 2011. Também se identificou pouca transparência sobre a composição da CNAIDS, com apenas duas publicações em Portarias. Na variável agenda, apontam-se como PPPI as elaborações coletivas de pautas e calendários anuais de reuniões. Nesse sentido, os temas sobre as mulheres foram pautados seis vezes, sendo quatro pelo governo, demonstrando seu maior interesse pelo assunto, em relação à sociedade civil. Quanto aos preservativos femininos (PF), observou-se que não eram distribuídos universalmente, sendo excluídos de campanhas até 2016, para não aumentar a demanda pelo insumo. Para se ter ideia de quanto a quantidade era reduzida, é preciso compará-la aos preservativos masculinos: de 2007 a 2019, o governo forneceu 81 milhões de PF, o equivalente 1,5% dos 5,3 bilhões de preservativos masculinos (PM) ofertados. Além disso, foram investidos R$ 31 milhões em uma fábrica que produziu apenas PM, ainda que só houvesse dois fornecedores de PF no Brasil, demonstrando o pouco interesse governamental nesse segmento. Também se flexibilizou o credenciamento de serviços para lipodistrofia, contudo, de 2010 a 2011, foram utilizados apenas 11% dos R$ 4 milhões repassados aos estados. Quanto ao Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Aids, lançado em 2007, a falta de pactuação na Comissão Intergestores Tripartite inviabilizou sua capilarização nos estados e municípios. Também houve pouca participação da SC nos Planos de Ações e Metas, com baixa execução orçamentária.

Conclusões/Considerações finais
Observou qie mulheres com HIV tiveram dificuldade de acesso ao DIU, às tecnologias de reprodução e, no interior do país, à prevenção da transmissão vertical (TV). Mulheres, em geral, tiveram pouco acesso à PEP e restrições à PrEP. Observou-se um declínio de reuniões da CNAIDS, de seis, em 2007, para duas a partir de 2014, demonstrando uma redução do diálogo entre governo e SC. A participação da SC na Comissão produziu pouco efeito positivo no cuidado às mulheres, salvo na TV. Por fim, inferiu-se que a priorização das ações para populações-chave fragilizou os princípios da integralidade e da universalidade, tornando as mulheres uma espécie de pré-cidadãs, com sua cidadania regulada pela epidemia concentrada, revelando que, no século XXI, ainda precisam lutar pelo direito a ter direitos.