03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC26.3 - Cuidados, estigma, apagamentos: a necropolítica como projeto de Estado |
46825 - “ LÁ EU PERCEBI UMA DEMORA“: NARRATIVAS SOBRE O ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE PELA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA VITÓRIA SILVA DE ARAGÃO - UECE, ALEXANDRO BATISTA DE ALENCAR - UECE, LEILSON LIRA DE LIMA - UNICHRISTUS, MARIA ROCINEIDE FERREIRA DA SILVA - UECE
Apresentação/Introdução A existência de inúmeras dificuldades presentes na operacionalização da Política Nacional da População em Situação de Rua, criada em 2009, demonstra que tal política ainda carece de uma resposta e atenção urgente por parte dos operadores das políticas públicas (VALLE; FARAH, 2020; RESENDE; MENDOÇA, 2019).
Por compreender que as pessoas em situação de rua comumente vivem em contextos socioeconômicos desfavoráveis e em más condições de saúde (BASTOS; BERTONI, 2014), é que se reafirma a importância de políticas que reconheçam os determinantes sociais de vulnerabilidade e riscos de grupos populacionais específico. Isso, por sua vez, possibilita intervir a partir da perspectiva de uma atenção integral.
Todavia, diversos estudos evidenciam fragilidades na dimensão da atenção integral e resolutiva no cuidado em saúde às pessoas em situação de rua, como por exemplo, dificuldades de acesso aos serviços da rede de saúde e de educação, políticas assistencialistas e compensatórias e incompletude no atendimento às suas necessidades (FERREIRA; ROZENDO; MELO, 2016; PAIVA et al., 2016; SIMÕES et al., 2017; OLIVEIRA et al., 2018).
Objetivos Compreender como se dá o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde.
Metodologia Trata-se de um estudo cuja abordagem é qualitativa e representa um recorte da pesquisa de Trabalho de Conclusão de Residência intitulada: “(Re)construções da integralidade: estudo sobre as ações e estratégias de cuidado às pessoas em situação de rua“.
A pesquisa foi realizada no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), localizado no município de Caucaia, Ceará.
Os interlocutores do estudo foram oito pessoas em situação de rua, sendo duas mulheres e seis homens, maiores de 18 anos que habitavam as ruas do município há mais de seis meses.
A coleta ocorreu entre os meses de agosto de 2022 a janeiro de 2023, por meio de um roteiro de entrevista semiestruturada e de observação sistemática. Dentre os temas presentes no roteiro destacam-se ações de cuidado a população em situação de rua, continuidade desse cuidado, além das dificuldades e facilidades relacionados à situação de rua.
A análise das percepções e narrativas foi orientada pela hermenêutica fenomenológica de Paul Ricouer, na qual é possível a interpretação e articulação das experiências e linguagem vivenciadas (RICOUER, 1990). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE) sob parecer n° 5.445.337 e respeitou o que está disposto na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016).
Resultados e discussão Após as interpretações foi possível compreender a precarização dos serviços de saúde e socioassistenciais e distanciamento das demandas e necessidades da população em situação de rua, além da fragilização da integralidade do cuidado desses sujeitos. Com a análise interpretativa, ficou perceptível a existência de diversas barreiras colocadas para esses sujeitos no acesso aos serviços de saúde e das políticas públicas socioassistenciais.
Os interlocutores apontaram que ao procurar o serviço de saúde lhes é exigido a apresentação de encaminhamento do Centro POP comprovando sua situação de rua, para serem atendidos no equipamento. Com isso fica evidente o obstáculo imposto a essa população, não considerando que devem ter acesso assegurado aos serviços de saúde sem necessidade de apresentar documentos, segundo prevê a Lei 13.714/2018 (BRASIL,2018).
Outra dificuldade evidente que os interlocutores apontam é a demora no atendimento, fazendo com que desistam da espera e, assim, não conseguirem realizar exames quando solicitados.
Também foi compreendido pelas falas dos interlocutores o desconhecimento dos serviços ofertados pelos equipamentos de saúde o que os distanciam da busca pelo cuidado. Conforme as autoras Valle e Farah (2020) abordam, existe necessidade de ampliação do atendimento para população em situação de rua em todas as Unidades Básicas de Saúde o que não é observado na realidade pesquisada. Ainda percebe-se a necessidade de divulgação das ações para a adesão consciente dos usuários às intervenções.
Os interlocutores também narram à falta de autonomia no cuidado em saúde e que alguns planos terapêuticos não são condizentes com suas necessidades, centrando o cuidado apenas em questões biológicas. As narrativas destacam ainda a influencia do modelo biomédico nas condutas terapêuticas, as quais são condutas “objetivantes” e distanciam das necessidades das pessoas em situação de rua.
Porém, como afirma Ayres (2009), o cuidado está para além do corpo físico, ele não consiste apenas nos agravos do processo saúde-doença. O cuidar leva em conta à ética e humanização, as quais colocam o usuário como parte do processo de intervenções.
Conclusões/Considerações finais A partir da realidade estudada, foi possível perceber as fragilidades dos serviços em garantir o acesso ao cuidado à população em situação de rua, o que possibilita uma atenção distante das necessidades dessa população, centrada apenas na doença.
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