03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC26.3 - Cuidados, estigma, apagamentos: a necropolítica como projeto de Estado |
47001 - O ESTIGMA E O CUIDADO PRESTADO À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM UM MUNICÍPIO DE MÉDIO PORTE RENATA DE OLIVEIRA CARTAXO - UPE E FMABC, IARA COELHO ZITO GUERRIERO - FMABC
Apresentação/Introdução No Brasil, a saúde é um direito constitucional, contudo o acesso a ações e serviços de saúde por populações vulnerabilizadas como a População em Situação de Rua (PSR) é rodeado de barreiras que variam desde preconceito a exigências burocráticas inadequadas. Em 2009 instituiu-se a Política Nacional para a PSR trazendo consigo conceitos e estratégias importantes de atuação frente à natureza dinâmica dessa população, mas acabou por priorizar municípios de grande porte para fomentar serviços especializados. Já os municípios de médio porte que não possuem os serviços especializados para esta população e acabam dependendo da atuação das equipes da rede já constituída para dar conta de todas as demandas, que em momentos de crise é uma realidade que ascende e só encontra apoio filantropia. Nessa proposta, optou-se por trabalhar com os conceitos de Erving Goffman compreendendo o Estigma como sendo um processo social capaz de pautar as ações de pessoas e instituições e influenciando relações. O referencial teórico serviu de apoio não só para a interpretação dos resultados como também para compreensão do lugar de fala dos atores envolvidos. Goffman posiciona de 3 formas: o grupo dos estigmatizados (indivíduos que carregam consigo as características atribuídas pelo estigma que lhes fora imputado), os normais (aqueles que não carregam as características do estigma naquele momento portanto se posicionam de uma forma a estigmatizar) e os informados (advém do grupo dos normais, contudo entendem esta posição e ainda são aceitos pelos estigmatizados). Os participantes que compuseram este estudo e a autora são pessoas pertencentes ao grupo dos Informados.
Objetivos Desvelar o papel do estigma nas relações e/ou na condução da atenção e assistência junto à PSR em um município de médio porte.
Metodologia O estudo apoiou-se em uma abordagem qualitativa e foi realizado a partir de entrevistas individuais gravadas e guiadas por roteiro semiestruturado. A escolha dos participantes deu-se pela técnica de “bola de neve”, onde uma cadeia de referências se forma a partir informantes-chave iniciais “Sementes”. Partiu-se de 3 sementes sendo um indivíduo ligado à Assistência Social, um do setor Saúde e um indicado pela instituição filantrópica. O conteúdo textual decorrente das entrevistas foi submetido à Análise Textual Lexicográfica, com auxílio do software Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionneires (IRAMUTEQ). Utilizou-se o método Reinert para Classificação Hierárquica Descendente, com o intuito de classificar os segmentos do texto em função de seus respectivos vocábulos e a reparti-los de acordo com a significância em suas associações e contextos. Os resultados aqui apresentados são um recorte de uma pesquisa maior cujo Protocolo de Pesquisa foi aprovado sob o parecer de número 4.161.334 pelo CEP da UPE.
Resultados e discussão A partir do corpus textual constituído houve uma ótima retenção de segmentos de texto, com aproveitamento de 90,10%. Neste recorte, estão os resultados referentes a apenas a categoria que dispõe sobre o estigma na relação de cuidado. Foram desveladas vivências com a PSR em que o estigma se faz presente seja na visão de quem acolhe ou na quebra de vínculos que resulta na condição de situação de rua. O entendimento da caridade enquanto missão inspirada por Deus se fez bastante marcante a partir dos termos Deus, Missão e Ajudar aplicados ao contexto da cultura das ações de caridade enquanto virtude que historicamente firmou-se enquanto suporte junto à PSR. Termos como Medo, Morador de rua e Nome ilustram situações em que essa visão de que o Informado tem do Estigmatizado enquanto seres inerentes da rua, acaba-se por naturalizar a pobreza, reforça-se a invisibilização das pessoas enquanto cidadãos de direito. É importante dizer que o termo Morador de rua foi preservado como fora falado pelos participantes, sendo usado neste trabalho apenas nesta situação. A estereotipação da PSR em cidades de médio porte acaba por produzir figuras pitorescas que toda a cidade conhece e são normalmente tipificados como vagabundos, sujos, loucos, perigosos e coitados ajudando a legitimar o descaso àquela situação, gerando desde situações do medo até coisificação e ainda hostilidade contra ela.
Conclusões/Considerações finais O estudo desvelou o estigma que permeia as relações da atuação de todos os setores investigados. Todos os serviços já se encontraram entre si na lida com PSR, mas o acesso ao cuidado e às políticas públicas é ainda permeado por barreiras de ordem burocrática e de inespecificidade da atenção ainda na abordagem. Evidenciou-se ainda que a saúde mental foi um fator condicionante na fragilização dos vínculos familiares, no processo de rualização e na carência de cuidado. Acreditamos que o fortalecimento da Atenção Primária, sensibilização e preparação das equipes assistenciais sejam passos imprescindíveis para o planejamento e a tomada de decisão em um município de médio porte que esteja comprometido socialmente com a sua população.
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