03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC28.2 - Processos de (des)fascistização das políticas de saúde II |
47022 - PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE PELAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE FABIANA TURINO - UFES, JONATHAN FILIPPON - QMUL, JEANINE PACHECO MOREIRA BARBOSA - UFES, ALEXANDRE ANDRADE ALVARENGA - UVA, ERIKA MARIA SAMPAIO ROCHA - UFSB, MARIA ANGÉLICA CARVALHO ANDRADE - UFES, FRANCIS SODRÉ - UFES
Apresentação/Introdução Brasil a partir dos anos 1990 apoiava-se no modelo neoliberal com o pressuposto de reordenar a política, a economia e as relações entre indivíduos. Um dos resultados do neoliberalismo foi a criação da chamada Terceira Via (Reino Unido), das Organizações Não-Governamentais (EUA), Economia Social (França) ou Terceiro Setor (Brasil), para implementar algumas das diretrizes do modelo econômico. O Terceiro Setor se oferece como alternativa para a transferência das responsabilidades sociais do Estado. Essa transferência da gestão pública para entidades não-governamentais pautou-se nas diretrizes do New Public Management (NPM), sendo a principal e mais influente teoria de modernização do aparelho estatal contemporâneo e que orientou a Reforma do Estado brasileiro nos anos 1990.
Em 1998, a Lei Federal nº 9.637 criou as Organizações Sociais de Saúde (OSS) sob o argumento principal da desburocratização e da redução de custos; e baseadas no tripé canônico da administração: eficácia, eficiência e efetividade. Contudo, estudos empíricos apontam para aumento de despesas do Estado com a transferência da gestão de serviços públicos de saúde para as OSS. As relações entre o ente público e as OSS é regulado na maioria das vezes através dos Contratos de Gestão (CG) e por Termos Aditivos (TA). Os CG são instrumentos jurídicos que selam essa parceria entre o setor público e outras entidades não estatais, sejam com ou sem fins lucrativos. Os CG ocultam um outro instrumento privatizante: os TA. Eles permitem que contratos sejam ajustados à realidade com o desenvolvimento da prestação do serviço.
Assim, este estudo analisou a atuação das OSS no Sistema Único de Saúde (SUS) e o uso dos CG e dos TA como instrumentos de privatização, a partir da quantificação dos valores financeiros repassados para as OSS que firmaram contratos com a secretaria municipal de saúde do Rio de Janeiro (RJ) entre 2009 e 2018
Objetivos Averiguar se a transferência dos serviços de saúde pública para entidades privadas sem fins lucrativos pode ser considerada um processo de privatização
Analisar a atuação das OSS no Sistema Único de Saúde (SUS) e o uso dos CG e dos TA como instrumentos de privatização
Metodologia Foi desenvolvido um estudo descritivo e exploratório com abordagem mista para quantificar os valores repassados para as OSS. Também foi comparado o repasse para as OSS com o recurso destinado para a saúde municipal no período. Trabalhou-se apenas com dados secundários disponíveis de maneira pública nos portais eletrônicos da secretaria municipal de saúde do RJ.
Esses dados foram sistematizados e analisados com auxílio da ferramenta de visualização de dados Flourish.
Resultados e discussão Ao total foram identificados 268 documentos, sendo 61 contratos e 207 aditivos, relacionados a 15 OSS. Desse total, observamos que os valores orçados nas assinaturas de CG e TA nos anos de 2010 a 2018, evidenciaram a predominância da transferência via aditivos quando comparado aos contratos. Os CG somaram R$ 7,2 bilhões para as OSS. Efetivou-se, no mesmo período, o repasse de R$ 8,6 bilhões via TA. Ao somar o total de CG e TA, alcançamos o valor de R$ 15,94 bilhões. A soma dos aditivos representa 119,4% de majoração em relação ao previsto inicialmente nos CG, considerando valores nominais e absolutos.
Os dez menores CG tiveram majoração média de 546%, enquanto que os 10 maiores CG tiveram majoração média de 92,54% por meio de TA. Os TA também criaram condições para legitimar a incorporação de uma organização por outra, o que pode acarretar em ampliar ainda mais os recursos financeiros repassados às OSS.
A OSS IABAS foi a que mais recebeu recursos públicos, somando R$ 4,021 bilhões. Em 2014 o orçamento total da saúde do município do RJ foi cerca de R$ 4 bilhões, sendo que desse montante R$ 2,5 bilhões foram repassados para as OSS, representando 62% do orçamento público da saúde
Conclusões/Considerações finais Com base nos dados podemos afirmar que os CG e os TA são instrumentos de privatização do SUS. Pudemos observar falta de transparência nos valores repassados às OSS, que usam um “padrão de vagueza” na formulação dos contratos. Isso é uma “zona cinzenta”, com impacto direto e negativo nas ferramentas de controle e avaliação. Outro achado foi identificar o uso do TA como mecanismo para modificam de maneira crucial o objeto original de um CG. Assim, classificamos essas alterações bruscas do objeto original por meio de TA como outra “zona cinzenta” nas estratégias de transparência das informações contratuais. Podemos afirmar que os CG instrumentalizam a privatização por meio da entrada das OSS na gestão dos serviços públicos de saúde. Os TA, por sua vez, sedimentam esse caminho para a privatização por dentro, já que transformam substancialmente o CG. Confirmamos assim que a privatização da gestão dos serviços públicos de saúde se concretiza por meio de uma manobra gerencial, sutil e de difícil comprovação. Essa privatização não se dá no modelo convencional, mas em um tipo funcional e flutuante
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