03/11/2023 - 08:30 - 10:00 COC29.2 - Produzindo epidemias: epistemologias críticas , risco e racismo em saúde |
46715 - ENTRE A CULTURA DA VACINAÇÃO E A IDEOLOGIA ANTI VACINA: CUIDADORES E A POLITIZAÇÃO DA VACINA NO CONTEXTO DA COVID-19 MARCIA THEREZA COUTO - USP, CAMILA CARVALHO DE SOUZA AMORIM MATOS - USP, VIVIAN AVELINO-SILVA - USP
Apresentação/Introdução Apesar de ser referência mundial em imunização, o Brasil vem enfrentando quedas progressivas na cobertura vacinal por diferentes motivos. A pandemia do COVID-19 trouxe ainda mais desafios diante desse cenário. Considerando a pandemia como um acontecimento do campo social e político que afeta as certezas dominantes, trabalhamos com o conceito de politização da ciência e da saúde para analisar a politização das vacinas a partir dos posicionamentos e narrativas de cuidadoras de crianças pequenas sobre as vacinações de rotina infantil e a COVID-19 vacinas.
Os conceitos de politização da ciência ou da saúde vêm ganhando cada vez mais espaço no mundo da produção científica, em temas diversos. Por politização da ciência, queremos dizer aqui “quando interesses políticos moldam a apresentação de fatos científicos para se adequar a modelos distintos de “realidade” por razões de interesse próprio. A análise de como saúde e política se entrelaçam também será sustentada por uma leitura crítica da perspectiva de que a história linear e triunfalista das vacinas, já que esta não é suficiente para lidar com sua complexidade, e essa história deve ser interpretada a partir de seus contextos científicos, políticos e sociais. Assim, a proposta teórica está ancorada na relação indivíduo-sociedade a partir de temas como a marcação dos corpos, a memória coletiva e a relação indivíduo-grupo-Estado.
Objetivos Considerando a dinâmica histórica e cultural em torno da vacinação no Brasil e a hesitação vacinal, que é enfatizada no evento representado pela pandemia de COVID-19, o objetivo do trabalho é discutir a politização da vacina a partir dos posicionamentos e narrativas de cuidadores de crianças pequenas em dois diferentes contextos socioculturais (São Luís, MA e Florianópolis, SC).
Metodologia A discussão proposta se ancora em pesquisa qualitativa realizada em duas capitais brasileiras: São Luís (Maranhão) e Florianópolis (Santa Catarina). O estudo incluiu famílias de ambas as cidades com filhos até 6 anos de idade, com pais totalmente vacinados, que selecionaram vacinas e não vacinaram seus filhos. Os participantes foram recrutados por meio da metodologia de amostragem bola de neve, e as entrevistas em profundidade foram realizadas entre março de 2021 e abril de 2022. Entrevistamos 33 famílias, totalizando 48 cuidadores nas duas cidades, a maioria mães.
Resultados e discussão O estudo apresenta resultados que revelam que, independentemente do posicionamento anterior em relação às vacinas, o evento político-sanitário da pandemia de COVID-19 abalou crenças, significados e atitudes sobre a vacinação infantil. Eles também demonstraram que a pandemia resultou em atrasos na imunização infantil de rotina e fez com que os cuidadores procurassem os serviços privados de imunização para contornar as barreiras de acesso impostas pela COVID-19 aos serviços públicos. Por fim, os dados revelam a complexidade do evento de politização da vacina, fenômeno inédito no contexto brasileiro: a atribuição da (des)confiança nas vacinas à ideologia e ao posicionamento dos líderes políticos de modo que o posicionamento de alguém sobre as vacinas seja justificado e pautado por sua política -posição ideológica.
Conclusões/Considerações finais Por fim, a pesquisa empírica e a análise dos seus resultados demonstram que a pandemia não foi apenas um evento de saúde, mas também um evento político, com impacto na opinião pública sobre vacinas e vacinação. O que inicialmente era visto como uma questão de saúde pública ganhou conteúdo político ao longo do momento histórico. Esperava-se que o grupo hesitante em relação às vacinas rotineiras na infância tivesse sua hesitação reforçada, bem como o grupo aderente à vacinação reforçasse a importância das vacinas diante do cenário pandêmico. No entanto, o que se revela é que o evento político-sanitário produziu mudanças de opinião e comportamento em diferentes direções entre vacinadores e cuidadores hesitantes. O processo de politização dos temas científicos pode gerar uma perda de credibilidade da informação científica, ou seja, os cidadãos percebem que fatores políticos estão interferindo no domínio médico, o que afeta diretamente suas atitudes em relação à saúde. Os achados deste estudo devem servir de alerta para as políticas brasileiras de imunização.
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