Comunicação Oral Curta

03/11/2023 - 08:30 - 10:00
COC29.2 - Produzindo epidemias: epistemologias críticas , risco e racismo em saúde

47034 - POLÍTICA ONTOLÓGICA DA OMS, DENSENVOLVIMENTO DA VACINA CONTRA ZIKA E CONSTRUÇÃO DE UMA LÓGICA EMERGENCIAL
LENIR NASCIMENTO DA SIVA - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ E NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS INTERDISCIPLINARES SOBRE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA, FRANCINE DE SOUZA DIAS - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ E NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS INTERDISCIPLINARES SOBRE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA


Apresentação/Introdução
Introdução
A Emergência da Zika no país impactou na vida de mulheres e crianças pobres, aumentando suas de demandas de cuidado e acentuando os processos de sua vulnerabilização. Atualmente, essas existências enfrentam a sobreposição de repercussões das pandemias da Zika e da COVID-19, assim como a incerteza de um novo acontecimento global do vírus Zika (VZK).
Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) agenciou fóruns de pesquisadores para a determinação do “perfil do produto alvo da vacina” (TPP) contra o VZK. A instituição focou a utilização do TPP nas emergências, apesar de reconhecer outros contextos de vacinação. Esse acontecimento implicou na constituição dos grupos de estudo, no delineamento de pesquisas e na saúde pública dos países.




Objetivos
Objetivo
Refletir sobre os problemas, possibilidades, barreiras do desenvolvimento da vacina contra o VZK e sobre as implicações da política ontológica da OMS.

Metodologia
Metodologia
Esse ensaio parte de questões constituídas com um grupo de pessoas afetadas pela Zika: pesquisadores, mães e profissionais da saúde e educação.
As lentes teóricas dos Estudos Sociais da Ciência embasaram o olhar para 3 cenários de análise de narrativas provenientes do estabelecimento do TPP pela OMS, de artigos publicadas em revistas científicas e de entrevistas com um grupo de pessoas afetadas pela Zika.

Resultados e discussão
Resultados
Ao restringir o desenvolvimento da vacina às situações emergenciais, o TPP resumiu a população-alvo a mulheres em idade fértil. Deste modo, a perspectiva do risco aumentou o fomento do desenvolvimento de certas plataformas, como as vacinas inativadas, as baseadas em subunidades e com adjuvante de alúmen. Do mesmo modo, a normatização técnica da estocagem contida no documento favoreceu as pesquisas de vacinas de DNA e RNA. Ademais, durante a emergência o TPP recomendava a tolerância para o uso de produtos monovalentes, embora vacinas polivalentes fossem mais adequadas para cenários endêmicos.
As narrativas dos artigos deixavam clara a interdependência entre os problemas e desafios enfrentados pelas pesquisas clínicas no caso específico da Zika. Os resultados dos estudos também dão pistas das implicações do TPP.
Os problemas elencados foram: incerteza da ocorrência de uma nova epidemia; inespecificidade das manifestações clínicas da doença; escassez de métodos diagnósticos; necessidade de grandes amostras para a fase III; reatividade cruzada do VZK e outros flavivírus. Já os e desafios foram; inclusão nos experimentos de gestantes e crianças; provimento de vacinas para países pobres, dado o custo de novas plataformas; desenvolvimento dos produtos até a fase III e promoção da sua aceleração industrial durante uma epidemia; desenho de modelos de negócio atrativos para investimentos na manutenção de pesquisas clínicas e da produção sustentada de vacinas.
Pudemos verificar que somente 1 candidato à vacina havia completado a fase II da pesquisa em 2022, dentre os 30 produtos que estavam em fase pré-clínica entre fevereiro e junho de 2016. Tratava-se de uma vacina de DNA do ZIKV desenvolvida pelo National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) dos Estados Unidos.
Entre todas as pessoas entrevistadas, a proteção de futuras gestantes alcançou unanimidade. Porém, a urgência do desenvolvimento vacina causou controvérsias entre profissionais, pesquisadores e as mães que a demandavam. Os problemas e desafios enumerados pelos pesquisadores eram consonantes com os elencados nos artigos.


Conclusões/Considerações finais
Discussão e considerações finais
O agenciamento da OMS envolveu negociações que delimitaram problemas, desenhos de estudos e nortearam vidas. Annemarie Mol chama esse exercício de política ontológica.
A política ontológica que a OMS fomentou pelo TPP da Zika foi norteada por evidências advindas de estudos científicos, em especial as pesquisas epidemiológicas, constituindo normas baseadas na noção de risco. As implicações do documento incluem a invisibilização da necessidade de vacinas adequadas aos múltiplos contextos, o aumento do espaço de aceitação de certas plataformas em detrimento de outras e a responsabilização da população feminina pela prevenção Zika, com hipervulnerabilização daquelas mulheres com piores condições de vida. Nesse sentido, ressaltamos a importância das intersecções de raça e classe social nos processos de construção e aplicação das produções de conhecimento.
Apesar da invisibilidade, de acordo com a OMS, houve epidemias recentes na índia e foi verificada em 2022 transmissão vetorial autóctone do VZK em 89 países e territórios globais. O cenário incerto impõe investimentos para desenvolvimento de vacinas que sejam utilizadas de acordo com contextos regionais, em diversas estratégias de vacinação. Contraditoriamente, a política ontológica da OMS constituiu uma lógica emergencial para o desenvolvimento da vacina focada no produto, tirando de cena a necessidade social da vacinação.