Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO2.5 - Metodologias e estratégias para ampliação da participação social no SUS I

46244 - A PARTICIPAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL DO SUS NA REGULAÇÃO DA GESTÃO DA ATENÇÃO BÁSICA POR ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
LETÍCIA BONA TRAVAGIN - USP / UNINOVE, MARÍLIA CRISTINA PRADO LOUVISON - USP


Apresentação/Introdução
A efetividade da regulação estatal nas políticas públicas é relevante no Sistema Único de Saúde (SUS), dada a intensidade das relações público-privadas. Além da regulação estatal, reconhecemos a importância da participação da sociedade civil como forma fundamental de regulação no SUS. Norteados pelas reflexões de Boaventura de Sousa Santos, assumimos que, ao longo do século XX, houve uma aproximação gradual da burocracia estatal e das ferramentas do direito, incluindo os sistemas públicos, com o modo de produção capitalista. Esse processo resultou na prevalência de uma ordem social, ou regulação, caracterizada pela influência conjunta do Estado e do mercado, enquanto as formas de exercício do poder comunitário foram marginalizadas. Procuramos aproximar essa reflexão teórica com a análise da participação da comunidade nos espaços de tomada de decisão do Sistema Único de Saúde, com ênfase nos órgãos de controle social - os conselhos e conferências de saúde. Para isso, exploramos essa perspectiva expandida de regulação, particularmente no contexto da regulação da gestão privada da atenção básica por meio das Organizações Sociais de Saúde (OSS) no município de São Paulo. O recorte temático do estudo é adequado, uma vez que a administração pública em São Paulo apresenta semelhanças com a abordagem da Nova Administração Pública, que é analisada por meio do referencial teórico mencionado. O recorte geográfico é relevante também pela extensão da gestão terceirizada no município de São Paulo, onde as OSS são responsáveis pela gestão de mais de 90% das Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Objetivos
Compreender o papel regulador do controle social do SUS na gestão da atenção básica por Organizações Sociais de Saúde no município de São Paulo.

Metodologia
Pesquisa qualitativa construída com entrevistas abertas complementadas por análise de documentos. Foram entrevistados 15 sujeitos categorizados em três eixos: 5 vinculados ao Estado (governo e administração pública), 5 ao setor privado (OSS) e 5 representantes da sociedade (controle social e movimentos populares de saúde). Os documentos analisados são relatórios das Conferências Municipais de Saúde de São Paulo de 2013, 2015, 2018, 2019 e 2023.

Resultados e discussão
O controle social não participa da Comissão Técnica de Acompanhamento dos Contratos de Gestão, não foi consultado em processo recente de atualização das matrizes de indicadores do contrato e, em geral, não são atendidas suas deliberações contrárias à expansão da terceirização na atenção básica ou relativas a questões trabalhistas envolvendo as OSS. A terceirização da gestão também afeta o controle social ao descaracterizar o princípio da composição paritária dos conselhos gestores das UBS. Isso ocorre devido à dominância do vínculo trabalhista privado, substituindo o vínculo estatutário. Há relatos de medo de perda de emprego e coerção, explícita ou implícita, exercida pelos gestores das OSS sobre os trabalhadores que são conselheiros, impedindo-os de expressarem-se livremente nos conselhos, fazendo com que se reforce o poder decisório da gestão e do poder executivo. Como uma empresa privada ocupa o lugar do poder público neste cenário, configura-se um novo perfil de neocorporativismo nos conselhos, o que confirma o impacto dos arranjos privatistas no controle social. Ademais, a comunicação entre controle social e os gestores públicos é conflituosa, e há pouca comunicação estabelecida diretamente entre o controle social e as OSS, havendo resistência explícita por parte dos gestores, tanto os públicos quanto os das OSS, em dialogar com os conselheiros. Em relação às Conferências, ao longo dos anos observa-se uma mudança de perfil nas discussões, já que o maior engajamento dos conferencistas se deslocou de uma posição explicitamente contrária à contratação das OSS para a preocupação em minimizar disparidades trabalhistas e cobrar fiscalização e monitoramento das finanças e da prestação de serviços pelas entidades. Isso ocorreu pari passu ao avanço deste modelo de gestão na rede de saúde municipal, evidenciando poderes desiguais na formulação e implementação da política. Em conclusão, o caso estudado exemplifica a conjunção entre governo municipal e setor privado como forças reguladoras, enquanto se obstrui a forma instituída de regulação pela sociedade civil.

Conclusões/Considerações finais
A efetividade do controle social na gestão privada da atenção básica em São Paulo enfrenta desafios como exclusão dos espaços decisórios e dificuldade de comunicação. Isso afeta a regulação do trabalho das OSS e descaracteriza a participação da comunidade no SUS. No entanto, os conselhos continuam a desempenhar um papel relevante, sendo atuantes nas arenas de disputa e vigilantes em relação às ações do governo municipal e das OSS. A presença da sociedade civil nos espaços de regulação se faz necessária, fortalece o caráter democrático do SUS e contribui para as discussões sobre a terceirização da gestão na atenção básica.