46811 - PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO CASO DA REDE BRASILEIRA DE DISPOSITIVOS REGULATÓRIOS: CONVERSAÇÕES SOBRE AS MICROPOLÍTICAS DA TRANSVALORAÇÃO CESAR LUIZ SILVA JUNIOR - ENSP/FIOCRUZ, ELIZABETH MOREIRA DOS SANTOS - FUNDAÇÃO CESGRANRIO, GISELA CORDEIRO PEREIRA CARDOSO - ENSP/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução Os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF), principalmente representados pelos cigarros eletrônicos, se destacam globalmente como objetos de disputa atual em saúde no mundo, sendo possível identificar variadas abordagens de regulação. No Brasil, eles estão proibidos desde 2009, mas esta interdição está sendo discutida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), confrontando propostas, atores, estudos científicos e experiências internacionais. Os processos regulatórios, arena por excelência de disputas de interesses e valores, podem considerar diferentes movimentos de participação social que raramente são contextualizados e abordados como avaliandos. O presente trabalho é parte de estudo que discute a valoração envolvida no processo regulatório de cigarros eletrônicos no Brasil.
Objetivos Este trabalho busca caracterizar os principais movimentos envolvidos na construção de critérios de valoração referentes aos dispositivos de interdição/produção da “norma prescrita”, considerando o componente de participação social no caso da rede brasileira de dispositivos regulatórios.
Metodologia Foi realizada uma pesquisa de base documental, incluindo diferentes fontes e abordagens. A revisão bibliográfica visou sistematizar as principais controvérsias envolvidas no processo, incluindo artigos científicos relacionados aos usos e efeitos dos DEF, a partir de consulta às bases de dados Pubmed e Scielo e ao sítio da Biblioteca Virtual em Saúde. A pesquisa documental subsidiou a elaboração de linha do tempo, com destaque para o componente participativo do processo regulatório brasileiro, baseando-se em documentos de acesso público disponíveis em sítio da internet da Anvisa.
Resultados e discussão A linha do tempo, que não se limita a uma cronologia factual, apresenta os eventos críticos (FIGUEIRÓ et al., 2017) que presumidamente geraram consequências e levaram à uma reconfiguração do processo em estudo. A sua caracterização buscou explorar, do ponto de vista da historicidade do evento estudado, o contexto de emergência dos dispositivos a partir das controvérsias tomadas como crises estratégicas. Nesta fase, identificou-se diversos núcleos de controvérsias referentes aos usos e efeitos dos cigarros eletrônicos, com destaque para: redução de danos e cessação do tabagismo. Entre os principais eventos críticos, a primeira manifestação da Anvisa, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 46/2009, ainda vigente, proibiu a comercialização, a importação e a propaganda dos dispositivos. Em 2019, a inclusão do tema na Agenda Regulatória se deu a partir de um novo modelo de regulação da Agência, com destaque para a incorporação de componente participativo ao processo. Assim, as Audiências Públicas incorporadas como mecanismos de participação social, promoveram amplas discussões junto aos atores afetados e interessados, como o setor regulado, associações representativas do setor regulado, órgãos governamentais, sociedade civil organizada, instituições de ensino e pesquisa, organismos internacionais e sociedade em geral. Em contextualização ao processo de substituição das sociedades disciplinares pelas sociedades de controle (DELEUZE, 2008), a emergência destes mecanismos de consenso, com viés democrático, evidencia o desenvolvimento de novos modos de “comando e controle” pelo Estado. Para Foucault (2000), as táticas gerais da governamentalidade permitem que o Estado possa exercer uma forma bastante específica e complexa de poder, que tem na população seu alvo principal e nos dispositivos seus mecanismos essenciais. No caso, a mobilização de diferentes dispositivos – Portarias, Resoluções e Instruções normativas – evidencia a possibilidade de caracterizá-los como uma rede que mantem entre si conexões de discursos e práticas. Durante o processo regulatório, observa-se o reposicionamento dos diversos atores em torno dos movimentos de interdição (o lícito e o ilícito, o formulável e o informulável, o existente e o não existente). A RDC, determinando o lícito e o ilícito, desde 2009 já sinalizava a possibilidade de sua flexibilização a partir de novas evidências (o existente e o inexistente). Em suma, os movimentos de representação das controvérsias e mobilização pela intencionalidade de sua “solução”, identificados a partir da participação social, podem sinalizar a teorização do processo regulatório, agora concebido como rede de dispositivos. Nesta rede, a negociação e a ressignificação “consensuada” dos valores agregados podem viabilizar o processo de transvaloração, concretizando-o em um novo dispositivo de regulação.
Conclusões/Considerações finais Os primeiros passos de um processo avaliativo consistem em compreender o avaliando e justificar a teoria que sustenta a sua apreensão. No caso dos processos regulatórios, é instigante a sua teorização como rede de dispositivos, considerando as perspectivas disciplinadora e/ou moduladora (AGANBEM, 2009; DELEUZE, 2008), evidenciando a complexidade de seus processos avaliativos. O presente trabalho tem contribuído para a identificação de abordagens que permitam explorar o avaliando teoricamente, e assim analisar a função da participação social para processos de valoração negociados e transparentes (transvaloração), core de avaliações inclusivas e democráticas.
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