Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO4.4 - Famílias e olhares sobre vulnerabilidade nos contextos sociais

47093 - O PAPEL DA FAMÍLIA NA PRODUÇÃO DE VÍNCULOS ENTRE USUÁRIOS COM SOFRIMENTO PSÍQUICO GRAVE E TRABALHADORES DE EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA
MARCELA RIBEIRO LIMA SANT'ANA - UFMG, CLÁUDIA MARIA FILGUEIRAS PENIDO - UFMG, THALES LUIZ JANUÁRIO MARQUEZINI - UFMG, EDUARDA MACEDO FERREIRA - UFMG


Apresentação/Introdução
Tomando como base a proposição de Pichon-Rivière (2007) de que um vínculo é sempre social, mesmo que seja só com uma pessoa, percebe-se que todo vínculo estabelecido por um sujeito acaba sofrendo influências de diversos outros anteriores. Nesse sentido, a família possui um papel fundamental na formação e vida dos sujeitos, sendo o primeiro ambiente onde se criam vínculos. Em se tratando de saúde mental, ela pode vir a ter um papel crucial no acesso e na manutenção do cuidado ao usuário com sofrimento psíquico grave na Atenção Primária à Saúde (APS).


Objetivos
O objetivo desse estudo, que integra uma pesquisa que analisa a produção de vínculos entre usuários com sofrimento psíquico grave/familiares e trabalhadores da saúde da família, é analisar o papel dos familiares na produção de vínculos entre usuários com sofrimento psíquico grave e as Equipes de Saúde da Família (eSF) em Belo Horizonte.


Metodologia
Diante do objetivo de analisar a forma como se dá a produção de vínculos, optou-se pela pesquisa qualitativa, com caráter exploratório, visto que não há na literatura material referente à temática do vínculo. Foram realizadas entrevistas abertas com dois médicos, duas enfermeiras, duas técnicas de enfermagem, duas agentes comunitárias de saúde, três usuários e dois familiares, totalizando treze entrevistas, realizadas em cinco distritos sanitários da cidade de Belo Horizonte. Foram feitas análises de conteúdo do tipo temática.


Resultados e discussão
No cuidado aos usuários com sofrimento psíquico grave, muitas vezes o acesso e a comunicação com o centro de saúde se dão por meio da família. Todavia, as relações dos diferentes núcleos familiares com os trabalhadores da APS não se estruturam de forma homogênea, podendo existir diferentes tipos de arranjos, dos quais quatro serão destacados.
O primeiro diz respeito às famílias que participam do cuidado em saúde mental e, por tal motivo, exibem sinais de adoecimento que demandam intervenções. Percebe-se que a convivência com uma pessoa com sofrimento psíquico grave é desafiadora e exige uma disponibilidade afetiva e de tempo que pode ser desgastante para o seu cuidador.
O segundo contempla as famílias que participam do cuidado, precisam de ajuda, mas não conseguem ser acessadas pela equipe, muitas vezes por um zelo excessivo dos cuidadores, os quais acreditam serem os únicos com capacidade para atender às necessidades do usuário. Como consequência, os cuidadores acabam por negligenciar a própria saúde.
O terceiro é composto por famílias que não participam do cuidado ao usuário com sofrimento psíquico grave por não considerarem o sofrimento psíquico como doença. Verificou-se que essa negação em participar do cuidado se dá tanto na recusa em comparecer ao Centro de Saúde quando chamados pela eSF, quanto por não recorrerem à unidade em situações em que o usuário está em crise e ele mesmo não tem condições de recorrer a eSF.
Por fim, o último arranjo consiste em famílias que recusam as estratégias propostas pela eSF para o tratamento do usuário. Nesses casos, os familiares, além de não participarem do cuidado, atrapalham quando outras pessoas, incluindo os trabalhadores das eSF, tentam prestar assistência.


Conclusões/Considerações finais
Pôde-se reconhecer uma congruência dos vínculos produzidos, por um lado, entre usuários com sofrimento psíquico grave e a eSF e, por outro, entre os familiares e a eSF, ou seja, há mais chances da eSF acessar esse usuário quando há vínculos com a família, reforçando que a sua presença é especialmente potente para o cuidado em saúde mental na APS.
A multiplicidade de arranjos de cuidado e vínculos entre familiares e eSF impõe, também, desafios, já que o laço familiar pode se tornar um grande dificultador para o acesso e implementação do cuidado e, até mesmo, do próprio vínculo. Cabe considerar que, embora a família desempenhe um importante papel junto às eSF no cuidado de usuários com sofrimento psíquico grave, essas mesmas famílias também demandam cuidado, devido aos desafios vividos por elas como cuidadoras. Desse modo, a produção de vínculo entre a eSF e as famílias, além de facilitar o acesso ao usuário, também evoca um cuidado importante para com as famílias, que também são usuárias da APS. Em última análise, percebe-se que, os vínculos estabelecidos entre os usuários e suas famílias com a equipe de saúde da APS são extremamente afetados pela forma como esses mesmos vínculos se dão no contexto intrafamiliar, podendo ser, até mesmo, um reflexo desse contexto.