Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO4.4 - Famílias e olhares sobre vulnerabilidade nos contextos sociais

48180 - POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS E FAMÍLIA, APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988
GEISYANE BARBOSA DO PRADO - IAM/FIOCRUZ, IDÊ GOMES DANTAS GURGEL - IAM/FIOCRUZ, SÁLVEA DE OLIVEIRA CAMPELO E PAIVA - HOSPITAL OSWALDO CRUZ


Apresentação/Introdução
No sistema de proteção social brasileiro, até a década de 1980, a família ocupou um lugar secundário, pois embora alvo das políticas vigentes, o tratamento dado às entidades familiares era estigmatizado e desfocalizado.
Com o advento da Constituição de 1988, surge um movimento de estruturação do sistema de proteção social no País, que implica na ampliação dos direitos sociais. Nesse cenário, emerge a família focalizada, ocupando posição central nas políticas públicas.
A partir da década de 1990, com o declínio do auge do welfare state nos países centrais e rebatimento das suas ideias do nos países periféricos, o debate sobre a família no campo da política social brasileira ganha espaço. Com esse contexto, o termo familismo passa a ser incorporado nas discussões a partir dos estudos de Esping-Andersen.
A reflexão sobre a provisão do cuidado ofertado pela sociedade, a partir da análise dos regimes de proteção social, segundo a obra de Esping-Andersen, passa pela consideração de três vetores: Estado, mercado e família. Tendo por base esses elementos, o sociólogo propõe uma revisão dos regimes do bem-estar sob a lente analítica da família, de modo a examinar o grau no qual as famílias absorvem os riscos sociais.
Dessa teorização, é possível extrair a concepção de familismo como um medidor da participação do Estado e da família na promoção do bem-estar. Assim, quanto mais responsabilidade for dada pela política à família na promoção do bem-estar, mais familista é o regime.
Além dessa acepção do familismo, é possível entender o termo como um padrão cultural e político que insere a família na agenda pública sem se preocupar com o sustento da própria vida familiar. Nessa linha, também é pertinente trazer a expressão neofamilismo, cunhada pela professora Solange Teixeira, com o fim de caracterizar a tendência ideológica atual na política brasileira de transformar a família em solução para a racionalidade do modelo global neoliberalista, com a reprivatização de atividades no passado tornadas públicas.
Assim, a centralidade da família no desenho das políticas públicas combinada com a redução do papel do Estado no que deveria ser uma parceira gera consideráveis problemas, como a sobrecarga demasiada para quem cuida, o reforço da pobreza e o endorso de problemas de gênero, visto que à mulher historicamente é atribuído o dever do cuidado.

Objetivos
Analisar a relação entre políticas públicas de provisão do bem-estar e o papel da família no Brasil, após o advento da Constituição de 1988, sob a ótica do familismo.

Metodologia
Esse estudo é um recorte das principais elaborações provenientes da revisão da literatura e da pesquisa teórica que visa fundamentar a dissertação do mestrado da pesquisadora, intitulada “O instituto jurídico da curatela e o papel da família no cuidado das pessoas com deficiência mental: um estudo de caso em Recife, Pernambuco”.
Assim, esse escrito apresenta uma análise sobre políticas do bem-estar no Brasil e família, observada a teorização sobre familismo proposta por Esping-Andersen e os estudos da professora Solange Teixeira acerca do neofamilismo.


Resultados e discussão
A partir do levantamento bibliográfico feito, é possível observar que no desenho das políticas públicas brasileiras pós redemocratização, há uma tendência neoliberal ao familismo, que se traduz em desresponsabilização estatal acompanhada de uma responsabilização da família, que passa a assumir novas funções que implicam em sobrecarga principalmente das mulheres, além de impactar de maneira substancial as famílias mais pobres.
Nesse esteio, o familismo nas políticas públicas tende a resultar em reforço de papeis de gênero, gerando maior sobrecarga em cima das figuras femininas – esposas, irmãs, filhas e avós, bem como fomento da pobreza, com fortalecimento de desigualdades e hierarquias culturalmente consolidadas.

Conclusões/Considerações finais
A realização desse estudo demonstrou que a família ocupa um papel central no desenho das políticas públicas sociais brasileiras pós redemocratização, mas que isso é usado como um estímulo neoliberal para o crescimento de um familismo por ausência de políticas sociais que busquem desonerar ou diminuir a sobrecarga dessas famílias. Assim, essas entidades familiares necessitam também serem objeto de cuidado, bem como serem apoiadas pelo Estado.
É necessário lançar um olhar sensível sobre a realidade das famílias que proveem o cuidado, de forma a entender o comprometimento, os desafios e desdobramentos causados pelo peso do cuidado prolongado, muitas vezes sem efetivo auxílio do Estado.
Perceber a importância de que as políticas públicas sejam desenhadas também focadas nos problemas enfrentados pelas famílias que cuidam, é fundamental para equacionar corretamente o papel a ser desenvolvido pelas entidades familiares dentro das políticas públicas sociais, bem como para combater a tendência ao fortalecimento de um sistema familista em detrimento da responsabilização do Estado.