Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO5.3 - Gênero, raça e o cuidado em saúde

46158 - POLÍTICAS DO CORPO NO TRATAMENTO DE MULHERES ALCOOLISTAS: UMA ETNOGRAFIA EM UMA REUNIÃO FEMININA DE ALCOÓLICOS ANÔNIMOS EM SÃO PAULO-BRASIL
EDEMILSON ANTUNES DE CAMPOS - USP, MARIANA MELO - USP, FRANCINE EVEN DE SOUSA CAVALIERI - USP


Apresentação/Introdução
Nas últimas décadas, o alcoolismo entre as mulheres tem chamado a atenção das autoridades médicas e sanitárias da sociedade brasileira. Todavia, as mulheres alcoolistas sofrem diversos preconceitos de gênero, estigma público, problemas de saúde física e mental e apoio insuficiente da família e da sociedade (Luna, Silva Junior, Pereira, 2019). Nesse contexto, os Alcoólicos Anônimos (AA) têm sido considerado uma forma de tratamento eficaz, atuando muitas vezes, em conjunto com o serviço de saúde. Os grupos de AA, entretanto, são frequentados predominantemente por homens (Alcoólicos Anônimos, 2019), o que reforça as assimetrias de gênero, uma vez que as mulheres muitas vezes sofrem assédio e são discriminadas nas reuniões de recuperação mistas. Nesse sentido, constatou-se na cidade de São Paulo, a realização de reuniões de recuperação exclusivas para as mulheres alcoolistas. Muitos homens de AA não aceitam que existam reuniões somente para mulheres, alegando que o problema do alcoolismo é comum a ambos os sexos, o que reforça as assimetrias de gênero no tratamento do alcoolismo dentro da associação.

Objetivos
Compreender como as mulheres concebem e vivenciam o tratamento do alcoolismo em uma reunião feminina de AA; Compreender o modo como as assimetrias de gênero moldam o tratamento do alcoolismo dentro de um grupo de Alcoólicos Anônimos.

Metodologia
Realizou-se uma pesquisa etnográfica com mulheres que participam de uma reunião feminina de AA em um grupo localizado na Cidade de São Paulo, Brasil, no período de março de 2020 a fevereiro de 2021. A coleta de dados foi realizada por meio de observação participante nas reuniões feminina de AA e de entrevistas semiestruturadas com trinta mulheres que participaram dessas reuniões.

Resultados e discussão
O alcoolismo feminino pode ser considerado uma doença ligada às assimetrias de gênero, cujos significados expressam as diferenças e hierarquias entre homens e mulheres em relação ao uso de bebidas alcoólicas e seu tratamento. Nesse sentido, a mulher alcoolista sofre diversos preconceitos de gênero, que reforçam tanto o sentimento de vergonha, levando-as a beber mais intensamente na solidão da casa, fora do olhar do público (Alzuguir, 2014) quanto a se sentirem culpadas e inferiorizadas (Hanpatchaiyakul et al., 2017). As mulheres entrevistadas relataram viverem de situações de assédio sexual e discriminação sexista nas reuniões mistas e também o desconforto por exporem temas de sua intimidade, tais como: problemas de relacionamento afetivo, menstruação, menopausa, aborto, sexualidade na presença de homens. Nesse sentido, a reunião exclusiva de mulheres é o antídoto encontrado à cultura patriarcal de AA e seu foco na dimensão patológica do alcoolismo. A reunião feminina pode ser compreendida como uma política do corpo ao criar um espaço de gênero que fortalece as mulheres e permite que elas lidem com os traumas da opressão e os abusos vivenciados nos tempos do alcoolismo ativo e em seu tratamento em AA.

Conclusões/Considerações finais
A pesquisa etnográfica na reunião feminina de AA permitiu observar e compreender como as mulheres compartilharam suas experiências e concebem o alcoolismo como uma doença ligada as assimetrias de gênero, cujos significados acionam um sistema de acusações que acentuam o estigma que ainda vê a mulher alcoolista como “degenerada”. A reunião feminina traz à baila a dimensão política do corpo ao criar um espaço de gênero que confere às mulheres uma dignidade e seriedade e lhes assegura um lugar moral e politicamente privilegiado, que opera como um antídoto ao preconceito e ao estigma que envolve o alcoolismo feminino e o seu tratamento em AA. Busca-se com este trabalho apresentar aos pesquisadores e profissionais de saúde a maneira como as desigualdades de gênero afetam o tratamento de mulheres alcoolistas e a importância de se incentivar reuniões femininas como uma forma de fortalecê-las no tratamento do alcoolismo.


Referências:
Alcoólicos Anônimos. (2019). Quem somos nós? Inventário de AA no Brasil. Vivência – Revista Brasileira de Alcoólicos Anônimos. São Paulo: Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos. 1: 10-29.
Luna BPLS, Silva Júnior GL, Pereira, ISSD.(2019). Alcoolismo e comorbidades em mulheres. J Health NPEPS. 4(1): 62-79.
Alzuguir FV. (2014). A carreira moral da vergonha na visão de homens e mulheres alcoólatras. Physis: Revista de Saúde Coletiva. 24(1),11-29.
Hanpatchaiyakul K, Eriksson H, Kijsomporn J, Östlund G. (2017). Lived Experience of Thai Women with Alcohol Addiction. Asian Nurs Res (Korean Soc Nurs Sci). 11(4): 304-310.