Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO5.3 - Gênero, raça e o cuidado em saúde

47074 - EXPRESSIVIDADES INTERDITADAS: SILENCIAMENTO DE MULHERES NEGRAS EM PAUTA
MARIA ANTÔNIA MOREIRA DOS REIS SANTOS - UFBA, MARCOS VINÍCIUS RIBEIRO DE ARAÚJO - UFBA, RAFAEL CABRAL DE SOUZA - UNIJORGE


Apresentação/Introdução
A categoria “expressividade” costuma ser abordada majoritariamente de forma restrita à comunicação, por meio da fala e da voz, reproduzindo uma visão organicista, atrelada à noção de indivíduo. No entanto, estes elementos compõem apenas uma parte da expressividade, já que o não-verbal e a intencionalidade, em conjunto com as emoções, são pontos essenciais para compreendê-la, tendo em vista o não dito e as condições sociais da materialidade concreta. As mulheres negras, em seus diversificados processos de organização e lutas vem constituindo frentes de batalhas importantes que colocam em evidência os limites da sociedade capitalista em promover igualdade de gênero e raça. Assim, corpos em resistência são silenciados cotidianamente, manifestados por meio das constantes tentativas de tolhimento de mulheres negras pelo racismo, sexismo, classismo, homofobia e etarismo que podem sujeitá-las à subalternidade. E, sendo o racismo estrutural e estruturante, que no capitalismo produz sistemas de poder e hierarquização, o apagamento por meio do silenciamento de mulheres negras se torna questão funcional para a reprodução desta forma injustas de sociabilidade. Neste sentido, torna-se fundamental pensar como expressividade e sistemas de opressões se cruzam, e como afetam estes sujeitos em sua singularidade e em termos de coletividade.

Objetivos
Discutir experiências de racismo vivenciadas por mulheres negras, bem como identificar os efeitos negativos em sua expressividade.

Metodologia
Trata-se de estudo exploratório e descritivo. As participantes foram mulheres, autodeclaradas negras - pretas ou pardas, residentes em diferentes Estados no Brasil. A coleta de dados foi realizada de forma remota, no período de agosto a outubro de 2022, em duas etapas. A primeira correspondeu à divulgação e posterior preenchimento de formulário virtual, “Questionário Erguer a Voz” (QEV) e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, através de e-mail e redes sociais. A segunda foi observação participante em uma roda de conversa, mediada por roteiro semiestruturado, em ambiente virtual, através da plataforma Google Meet. 201 mulheres responderam ao formulário e dentre estas, cinco se dispuseram à etapa seguinte. Os dados do formulário foram analisados conforme dois domínios: ação/atitude, que corresponde à efetividade de atos comunicacionais; e autopercepção, que diz respeito à identificação do racismo e sexismo em suas vivências e os possíveis efeitos. Já as entrevistas foram analisadas a partir do referencial teórico adotado no estudo.

Resultados e discussão
Os resultados obtidos a partir da resposta das participantes ao QEV foram analisados escore por escore. As pontuações obtidas demonstraram que há interferência das situações de racismo descritas no QEV na autopercepção das participantes sobre sua expressividade, nas atitudes frente a ele e diante de situações comunicacionais. De modo que, de maneira geral, o que se percebeu é que há influência negativa das opressões de raça/etnia e gênero na expressividade de mulheres negras, produzindo impacto na autopercepção, ação/atitude, expressão física e emocional. Os valores que analisamos quantitativamente são ultrajantes e delimitam uma violência tão silenciosa quanto o silenciamento que ela provoca. Estes achados puderam ser reiterados por meio da roda de conversa. No domínio de autopercepção, os relatos das participantes perpassam narrativas de dificuldade de autoaceitação durante a trajetória de vida e tentativas recorrentes de aprisionamento de suas individualidades em estereótipos negativos (agressividade, subalternidade e afins). Tais situações resultaram posteriormente em evitamentos e tentativas de adequação a um ideal branco inatingível. No domínio de ação/atitude, houve relatos relacionados à poda da comunicação, direta ou indiretamente, acerca de temáticas variadas, em ambientes com grupos majoritariamente brancos. É unânime entre as participantes maior conforto no diálogo entre pares. Outrossim, foram levantadas estratégias de combate ao silenciamento por parte das participantes. Com relação à repercussão nas expressões físicas e emocionais, foram relatados episódios de desconforto ao comunicar-se, como: tremor incontrolável; choro constante; crise de ansiedade; extremidades gélidas; calafrios; desejo de correr ou gritar; nó na garganta; aperto no peito; disfluência; tensão corporal; repressão interna, dentre outros. Os resultados evidenciam necessidade de um olhar direcionado à expressividade das mulheres negras e tais interdições impostas a partir do silenciamento, como uma questão de saúde pública que perpassa a sociabilidade em suas múltiplas dinâmicas.

Conclusões/Considerações finais
Urge a necessidade de profissionais de saúde se engajarem nos esforços para combater as consequências geradas pelo racismo estrutural. A interdisciplinaridade em saúde pode ser um caminho importante e necessário para (re)pensar as práticas de cuidado com relação às mulheres negras, desmistificando a ideia de que apenas o sofrimento advindo da violência física é capaz de ser adoecedor. O contato com o racismo, sexismo, homofobia, transfobia e demais formas de opressão/violência é produtor de adoecimento e deve ser posto em pauta quando se trata da expressividade.