03/11/2023 - 13:10 - 14:40 CO5.4 - Cuidado em saúde no contexto da diversidade |
46978 - SOCIODINÂMICA DO CUIDADO À SAÚDE DE PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS: O LUGAR DE ORIGEM/MORADIA NA PRODUÇÃO SOCIAL DA DIFERENÇA THAIS RAQUEL PIRES TAVARES - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Apresentação/Introdução A epidemia de HIV/aids no Brasil possui um caráter social e epidemiológico multifacetado, fazendo com que as pessoas que vivem com esta condição experienciem o adoecimento de formas muito distintas, modeladas e atravessas por variados marcadores sociais da diferença. Aqui destaca-se a experiência de pessoas que vivem com HIV/aids (PVHA) em contextos distantes dos grandes centros urbanos, em cidades interioranas do nordeste brasileiro. A necessidade de aprofundamento nesta temática emergiu de uma evidente economia de visibilidade imposta às PVHA que viviam em cidades do sertão nordestino onde a autora tem realizado estudos etnográficos acerca da experiência de viver com HIV/aids.
Objetivos Analisar a sociodinâmica do cuidado à saúde de pessoas que vivem com HIV/aids no sertão nordestino
Metodologia Desde 2016 a autora tem se dedicado a desenvolver uma etnografia multissituada e de longa duração em munícipios de uma região localizada no interior do Rio Grande do Norte. Nesse tempo, tem sido possível realizar observação participante em equipamentos de gestão e no serviço de assistência especializada (SAE) daquela região, além de tecer interlocuções com profissionais, gestores e usuários da política de saúde voltada ao HIV/aids.
Resultados e discussão O principal resultado deste estudo diz respeito à evidente existência de um ciclo de produção de silêncio e invisibilidades atravessado por formas diversas de violência e como o lugar operava como um marcador social da diferença. Ao fazer observação-participante no espaço da recepção do SAE, um fato logo ganhou relevo: a existência de uma etiqueta do silêncio. Diferentemente de outros espaços e recepções de serviços de saúde onde a troca de experiências e os diálogos sobre a vida enchem os espaços de sons e de vida, o que imperava no SAE era uma quase que completa ausência de socialidade. Em pouco tempo foi possível perceber uma evidente economia de visibilidade em torno da sorologia positiva para o HIV/aids. Tal problemática se interseccionava também com os fluxos territoriais produzidos por aquelas pessoas enquanto cuidavam da própria saúde. Essa produção de cuidados, de si e do outro, num contexto de proximidades sociais, era atravessada notadamente por pertencimentos de classe, onde pessoas mais abastadas e conhecidas encontravam mais privilégios na gestão do segredo que era operada ali no serviço de saúde. Diante disso, o que mais pesava a atmosfera do serviço, era, sem dúvida, o medo de ter o status sorológico descoberto. Tal fato se evidenciava através da linguagem que se utilizava, do tom de voz, das expressões e da corporeidade das pessoas que ali estavam, o que denunciava um aparente desconforto em estar ali, como se a presença no serviço bastasse para denunciar a soropositividade. Não se falava em HIV ou aids, as pessoas falavam (e quando falavam, muito raramente) sobre “essa doença” como se ela fosse inominável ou como ao evocar o termo HIV/aids, as experiências estigmatizantes pudessem vir à tona. Falava-se em tom baixo, em tom de segredo. As pessoas estavam frequentemente sérias, senão preocupadas e a etiqueta do silêncio envolvia também a gramática de gestos que se traduzia na evitação de olhares, nos diálogos breves e no rosto cerrado da maioria dos usuários. Muito frequentemente algumas pessoas preferiam nem mesmo ficar ali, aguardavam do lado de fora, dentro do carro ou voltavam apenas no final da manhã, o que geralmente acontecia quando encontros indesejados com pessoas conhecidas aconteciam na recepção do serviço. A equipe do SAE também participava dessas estratégias de manutenção do sigilo. Não raro, os profissionais colocavam em prática certos arranjos de modo a evitar encontros e revelações, evidenciando que esta prática integrava, naturalmente, o processo de trabalho em torno do HIV/aids. Todas essas questões evidenciam, portanto, a vulnerabilidade do segredo mediante o encontro na lógica de conhecimentos operada naquele contexto de proximidades sociais e o que se destaca nos achados deste estudo é a existência de um ciclo segredo-silêncio-invisibilidade no qual o serviço aparecia como central em sua produção, cumprindo um papel crucial na afirmação, produção ou manutenção da invisibilidade.
Conclusões/Considerações finais A etnografia realizada em um universo tecido por moralidades, socialidades e simbolismos deixou evidente as múltiplas formas como se entrelaçam cidade, doença, política e afeto, ao tomar como foco a análise de experiências cotidianas de PVHA em contextos interioranos. As especificidades da dinâmica social acabam por moldar a formas como essas pessoas experienciam o adoecimento, sobretudo quando buscam cuidados especializados, o que os envolve em uma economia de visibilidade que é tributária da sociodinâmica da estigmatização em torno do HIV/aids. Deste modo, a experiência de viver o HIV em contextos de proximidade social reforçam a imposição do silêncio como norma, reatualizando a aids como uma doença-segredo.
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