46451 - EXPERIÊNCIAS DE TRABALHADORAS NA COVID-19: MANIFESTAÇÔES DA BRANQUITUDE FLAVIA DE ASSIS SOUZA - IFF/FIOCRUZ, ANNA VIOLETA RIBEIRO DURÃO - EPSJV/FIOCRUZ, RENATA REIS CORNELIO BATISTELLA - EPSJV/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução Este relato de pesquisa analisou a experiência de mulheres trabalhadoras da saúde, durante a pandemia de Covid-19, a partir de um olhar interseccional, com foco na branquitude.
O trabalho é parte do Projeto Respiro, realizado entre 2020 e 2022, coordenado em conjunto pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz e pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, que teve como propósito investigar e, ao mesmo tempo, apoiar as trabalhadoras da saúde participantes da pesquisa, diante dos impactos da pandemia em seu trabalho e suas vidas.
Para fundamentar nossas análises, procuramos estabelecer um diálogo entre autores do materialismo histórico, Walter Benjamin e Edward Palmer Thompson e autoras como Lélia Gonzalez, Kimberle Crenshaw, Carla Akotirene, bell hooks e Cida Bento.
Compreendemos que as desigualdades de raça, gênero e classe, impactaram a vivência das mulheres trabalhadoras da saúde de formas diversas, no entanto, é a mulher branca que fica mais preservada dos impactos da desigualdade e dos processos de precarização da vida, a partir de seu lugar social privilegiado, dado pela cor de sua pele.
Objetivos Analisar as diferenças de raça e classe, entre mulheres brancas e negras, que se manifestam nas equipes de saúde, diante da situação de emergência imposta pela pandemia de covid-19.
Metodologia O projeto realizou um total de vinte entrevistas, contemplando profissionais que atuavam na Atenção Primária e na assistência hospitalar. Deste universo, analisamos seis entrevistas de forma mais aprofundada, de mulheres brancas e negras, de diversas profissões e regiões do país.
A amostra incluiu também os depoimentos de trabalhadoras que participaram das edições do Fórum Vivo, que igualmente integrou atividades de campo, organizado como rodas de diálogos a partir da contextualização realizada por convidados e das vivências trazidas pelas trabalhadoras de saúde. Ao longo da pesquisa foram realizadas cinco edições.
Adotamos três conceitos fundamentais para entendermos as repercussões da pandemia na vida das mulheres trabalhadoras, que estiveram conosco durante a pesquisa: experiência, interseccionalidade e branquitude.
Resultados e discussão A primeira questão observada foi a desigualdade de condições em relação às trajetórias das trabalhadoras, brancas e negras. As mulheres brancas puderam fazer um caminho mais linear, apoiadas por privilégios materiais, dados pela família. As mulheres negras tiveram que lidar com diversas intermitências em seus processos de qualificação, contando com políticas públicas afirmativas que possibilitaram dar continuidade a seus estudos, oportunizando o acesso à universidade e a cursos de pós-graduação.
As diferenças de raça e classe ficam evidentes nas equipes de saúde e se sustentam em hierarquias de saberes e status social de cada categoria profissional. Os cargos de liderança nas equipes eram majoritariamente ocupados por pessoas brancas.
Diante da emergência da Covid-19, esses espaços de poder e de tomada de decisão, foram utilizados em benefício próprio, como por exemplo, no estabelecimento de protocolos clínicos e na distribuição de EPI, somente para a categoria médica, de maioria branca. Diante daquela situação de perigo, do alto risco de contaminação para uma doença letal, pessoas brancas se unem e protegem seus pares, evidenciando um componente narcísico, de autopreservação.
Foram as profissionais brancas que tiveram mais recursos para lidar com o medo de contaminar seus familiares. O afastamento físico era possibilitado, tanto pelas condições das moradias, que possuíam maior estrutura e espaço físico, quanto pela facilidade de morar temporariamente em outros locais (hotéis, casas alugadas, etc) para que pudessem preservar seus familiares do risco de contágio, o que não aconteceu da mesma forma para as mulheres negras.
Conclusões/Considerações finais O caráter estruturante do racismo, sustenta a branquitude. No processo de produção desta subjetividade, a pessoa branca se coloca como universal.
O racismo faz com que o poder econômico, as decisões políticas, os cargos de liderança estejam sob o controle das pessoas brancas, que historicamente, em uma sociedade meritocrática, tiveram muito mais oportunidades de acesso a bens materiais e à formação profissional.
Um caminho possível é a instituição de políticas afirmativas de Estado, como a retomada do Ministério da Igualdade Racial em 2023. Mas é preciso que outras pastas ministeriais assumam a questão racial como pauta e atuem em conjunto, buscando reparação para a população negra.
Cabe às pessoas brancas, reconhecer seus privilégios históricos, simbólicos e materiais, para modificar sua perspectiva de lugar no mundo, deslocando posições de norma e hegemonia cultural.
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