47962 - “A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO É A CARNE NEGRA”: MÉDICAS NEGRAS DISCUTINDO O RACISMO NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE LETÍCIA BATISTA SILVA - FIOCRUZ E UFF, REGIMARINA SOARES REIS - FIOCRUZ, MARCOS VINÍCIUS RIBEIRO DE ARAÚJO - UFBA, DANIEL DE SOUZA CAMPOS - UFRJ, JUSSARA ASSIS - UFF, NATASHA LAUREANO DA FONSECA - FIOCRUZ, CAMILA FURLANETTI BORGES - FIOCRUZ
Apresentação/Introdução O racismo é produzido e reproduzido socialmente, assim sendo está presente direta ou indiretamente no cotidiano das instituições, dentre elas os serviços de saúde do SUS. E, portanto, está presente no desenvolvimento do trabalho em saúde, assim como na formação dos profissionais de saúde. Entender os processos que materializam o racismo é um ponto de partida para a construção e sustentação de ações anticoloniais e antirracistas.
Objetivos Analisar experiências de formação e trabalho em saúde de médicas negras que atuam no SUS, especialmente na APS, no município do Rio de Janeiro à luz do debate do racismo estrutural e institucional. Como objetivos específicos: identificar, a partir das experiências dos sujeitos, manifestações do racismo estrutural e institucional no âmbito do SUS; assim como compreender com o racismo atravessa os processos de trabalho em saúde e suas repercussões.
Metodologia Este trabalho apresenta resultados parciais de projeto de pesquisa coletiva que envolve docentes-pesquisadores da FIOCRUZ, UFBA, UFRJ e UFF. O Projeto de Pesquisa em andamento, intitula-se “Formação, Trabalho em Saúde e Racismo Estrutural: experiências de trabalhadoras e trabalhadores negros atuando nas capitais Rio de Janeiro e Salvador”. Trata-se de estudo qualitativo, utilizando Grupo Focal realizado com 3 médicas negras atuantes na APS no município do Rio de Janeiro, em novembro de 2022. O roteiro contou com perguntas abertas enfocando as experiências e vivências dessas trabalhadoras negras e a questão do racismo no trabalho em saúde. Em relação à interpretação dos dados, buscamos no interacionismo simbólico, as referências para a interpretação relacionada às situações que compõem as experiências/vivências a partir do racismo.
Resultados e discussão A partir do agrupamento em núcleos de sentido, tomando como referência a similaridade dos conteúdos presentes nas falas das participantes e o referencial teórico da pesquisa, emergiram os seguintes eixos de análise: (1) manifestação do racismo estrutural e institucional no âmbito do SUS; (2) como o racismo atravessa os processos de trabalho em saúde e suas repercussões. Há uma invisibilidade na formação e, ao mesmo tempo uma cobrança de recai sobre essas trabalhadoras negras. “Eu acho que para além da gente não ter tido, a gente ainda teve que ser quem fez o conteúdo acontecer. Então lá na universidade, juntamos inclusive as três aqui, para fazer um espaço sobre a saúde da população negra” (Conceição). Pensar o racismo como estrutural significa pensá-lo nas múltiplas dimensões que estruturam a sociedade e como ele se manifesta na sociabilidade. Perpassa a concepção de mundo dos sujeitos e estrutura as relações institucionais, sendo reproduzido nos diversos espaços, inclusive nos serviços da APS e na formação profissional. A violência obstétrica relatada por uma das participantes do GF também qualifica a questão. “ (...) Eu atendi uma paciente essa semana, sofreu violência obstétrica e de gênero. Aí liga para a ouvidoria, mas, assim, se ela engravidar de novo, a maternidade de referência dela continua a mesma, aí aonde que eu estou mudando alguma estrutura com relação a isso? e aí eu quero saber o que que vai acontecer com a reclamação que ela fez, vão mandar para mim para dar continuidade alguma investigação alguma coisa? Não, não vão. (Luana Tereza) O trabalho em saúde é uma atividade essencial à vida dos seres humanos e inscreve-se na esfera de produção não material e tem como finalidade o atendimento às necessidades de saúde, estas entendidas como necessidades que se constituem social e historicamente e se manifestam nas dimensões individual e/ou coletiva. Nessa lógica, pensar o trabalho em saúde em uma perspectiva social, história e crítica, requer refletir sobre os movimentos desse processo, dentre eles o racismo em todas as suas dimensões e as experiências de trabalhadores negros e negras no SUS, como abordado em um dos trechos “ (...) mesmo que a gente seja a mão que cuida né, a estrutura está dada para as coisas não funcionar, tem que ser um esforço absurdo de você conseguir dar mais atenção uma criança negra (...)”( Tituba).
Conclusões/Considerações finais Os relatos das entrevistadas sugerem que a formação médica não tem contribuído efetivamente para a redução das iniquidades raciais em saúde. Trata-se de uma (in)visibilidade histórica quanto à diversidade racial dos usuários e usuárias do SUS. Perspectiva formativa tecnicista e biologicista, caracterizado pela centralidade na doença e não no sujeito e sua interação com as estruturas sociais. Os resultados apontaram que como o racismo atravessa a experiência de trabalho em saúde de mulheres negras, médicas, trabalhadoras de equipes de saúde da família na APS do município do Rio de Janeiro em áreas de favela, territórios majoritariamente negros, racializados. Quando se observa o trabalho em saúde e a questão racial há uma dialética de trabalho, de opressão e das invisibilidades no SUS em contraste com as vozes e corpos altamente visíveis no cotidiano institucional.
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