Comunicação Oral

03/11/2023 - 13:10 - 14:40
CO9.3 - Racismo, formação e saúde

47058 - NARRATIVAS DA HISTÓRIA DE VIDA: POTENCIALIDADES PARA UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NA FORMAÇÃO EM SAÚDE
REBECA FERNANDA DE SOUZA SILVA - UNIFESP, TAMIRIS PERREIRA RIZZO - UNIFESP, PATRÍCIA MARTINS GOULART - UNIFESP, LUIS HENRIQUE LOPES DA SILVA - UNIFESP


Contextualização
A Unidade Curricular(UC) “Encontros e Produção de Narrativas” promove encontros entre estudantes de seis cursos da área da saúde, a saber, Psicologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Nutrição, Educação Física e Fisioterapia e as usuárias/os dos Serviços de Saúde e Serviço Social no município de Santos em 80 horas extensionistas curricularizadas. Entre os objetivos elencam-se o estímulo à compreensão das condições de vida e das necessidades de saúde dos usuários; da relação estabelecida entre estes e os serviços, bem como, incitar a formação de vínculos e a prática de uma escuta sensível e qualificada.
Werneck (2006) elenca entre os desafios para o cuidado humanizado, o enfrentamento ao racismo e a discriminação étnico-racial, enquanto processos desumanizadores que impactam negativamente a produção social da saúde e a possibilidade de respostas satisfatórias ao processo saúde-doença-cuidado das populações negras, indígenas e imigrantes.

Descrição
O módulo é dividido em três momentos: preparação teórica para ida a campo; encontro com os narradores e produção das narrativas; devolutiva da narrativa para os usuários/as e compartilhamento das experiências da turma. Os estudantes são orientados a ler e discutir textos que trazem reflexões sobre a centralidade dos vínculos e a importância de reconhecer os vários âmbitos existentes na vida de um indivíduo. Em duplas, os estudantes iniciam o acompanhamento dos usuários em domicílio ou nos serviços, sendo previstos quatro encontros intercalados por supervisões quinzenais. Eles/as/us escrevem e compartilham com os docentes diários de campo individuais que auxiliam no momento da escrita da narrativa e da supervisão. São espaços de reflexão sobre as lembranças e afetos mobilizados pelo diálogo. Por fim, produzem, apresentam e entregam as narrativas da história de vida aos usuários e compartilham com a turma como os aprendizados do processo impactaram sua formação.

Período de Realização
Primeiro semestre de 2023

Objetivos
Nesse relato analisamos o processo de produção de histórias de vida das/os usuários por estudantes enquanto um recurso reflexivo, terapêutico e educacional que pode fomentar a educação antirracista na formação em saúde.


Resultados
Analisando a experiência de uma das turmas do módulo oferecido em 2023, observamos que a questão etnico-racial gerou importantes reflexões nas supervisões.Duas situações nos chamaram atenção: a de duas duplas interraciais de estudantes que acompanharam um usuário negro e uma usuária negra, para os quais a questão racial se apresentava de maneira central e, uma dupla interracial de estudantes que acompanharam um usuário branco, que suscitou reflexões, sobretudo, para o estudante negro da dupla. O exercício de compreender sem julgamento a história de vida de usuários para escrevê-la exigiu dos estudantes situar interseccionalmente as posicionalidades e experiências de raça, classe e gênero dos narradores/a e a deles próprios (COLLINGS, 2022).


Aprendizados
Foi necessário dialogar com a literatura negra de Santana (2015), Evaristo (2014) e Jesus (2007) nas supervisões coletivas e, especialmente, para compreender as potências e os sofrimentos deste usuário negro, uma liderança da população em situação de rua e agente de redução de danos e, da usuária negra, mãe, empregada doméstica e dona de um olhar cheio de memórias, ambos residentes de um dos serviços de abrigamento municipal. Evaristo (2017) nos subsidia a compreender as características distópicas presentes nas experiências e memórias negras e como trabalhá-las criativamente na construção conjunta do texto narrativo.
Já no caso da outra dupla, Kilomba (2019) e Bento (2022), nos lembram que o exercício de escutar ativamente e escrever a narrativa de vida das pessoas, faz com que o indivíduo que narra e, por vezes, faz parte de grupos historicamente estigmatizados, se questione sobre o seu lugar no processo narrativo e como superar a condição de objeto que lhe foi imposto para que assuma o lugar de sujeito. Assim, possibilitando que compareça e compartilhe o espaço de produção narrativa junto a sujeitos de outros grupos não estigmatizados.


Análise Crítica
O processo de produção de narrativas da história de vida pode ser entendido como um recurso reflexivo na formação antirracista de profissionais de sáude, uma vez que estimula a compreensão das posicionalidades e sentidos da identidade étnico-racial, de classe, gênero e suas mútuas afetações no processo saúde-doença-cuidado.
A partir do encontro com os usuários e do estabelecimento de vínculos, tanto a escuta quanto a escrita podem se tornar recursos educacionais e terapêuticos em saúde. Estas promovem espaço para o acolhimento, o registro das denúncias e para a constituição de novas memórias sobre a experiência de racialização de estudantes e usuários, demonstrando sua pertinência na construção de um projeto de cuidado eficaz e humanizado.