47236 - ATUAÇÃO POLÍTICA DE MÉDICAS E MÉDICOS DE FAMÍLIA E COMUNIDADE NO BRASIL SARAH BARBOSA SEGALLA - UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (UFPB), LUCIANO BEZERRA GOMES - UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA (UFPB)
Apresentação/Introdução A atenção primária à saúde (APS) tem se desenvolvido no Brasil em meio a disputas ideológicas, com forte interferência de organismos internacionais e uma enfática luta por direitos sociais que culminou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, a medicina de família e comunidade (MFC) tem protagonizado movimentos de avanço e retrocesso no SUS, e ganhado destaque no desenvolvimento de políticas públicas voltadas para ele e para a saúde suplementar.
Em meio aos constantes ataques aos direitos, a autora deste trabalho (sob orientação do coautor) propôs uma reflexão sobre que tipo de sistema de saúde e APS queremos e teremos no futuro. Para isso, é necessário refletir sobre o papel que médicas e médicos de família e comunidade têm desempenhado na atualidade e para onde apontam seus discursos.
Objetivos Analisar os modelos de APS e o perfil de MFC defendidos pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) até 2020 e por protagonistas na construção da especialidade no Brasil e suas relações com as recomendações de organismos internacionais, com as políticas de saúde e o mercado privado no Brasil.
Metodologia Os dados da pesquisa foram produzidos a partir de pesquisa bibliográfica e documental, através das bases de pesquisa Scielo e Biblioteca Virtual de Saúde, de registros digitais e publicações institucionais da SBMFC, incluindo a Revista Brasileira de MFC, das Cúpulas Ibero-americanas de Medicina Familiar, do Ministério da Saúde, do Banco Mundial e da Organização Panamericana de Saúde. Esse corpus foi analisado a partir da Análise do Discurso Crítica, que compreende que o discurso constitui e é constituído por práticas sociais, e a partir dele podem se revelar processos de manutenção do poder.
Resultados e discussão Diante da pluralidade de discursos que foram estudados, não se pode afirmar uma identidade única para a/os MFC, mas sim identidades que estão sendo construídas com e a partir dos discursos que vêm sendo produzidos em disputas no entorno da especialidade. Até poucos anos atrás, os discursos da MFC ressoavam dentro de espaços próprios da especialidade, como congressos e programas de residência. Com a projeção da especialidade e o aumento de espaços ocupados por MFC em instituições de ensino, no governo, em empresas, essas identidades atualizaram-se a partir dessas novas posições.
Uma das ideias que promove um forte senso de pertencimento em grande parte da/os MFC é um reconhecimento de considerarem-se contra-hegemônicos e porta-vozes de um “novo” referencial, mais resolutivo e centrado em pessoas.
Observou-se uma inclinação discursiva de alguns grupos, aliados ao capital médico-financeiro, em direção aos modelos liberais de MFC e/ou seletivos de APS. A SBMFC, durante um período recente de sua história, também aliou-se a esses discursos, como observamos em alguns documentos, em que há defesa da cobertura universal de saúde e do provimento privado na atenção primária, condizentes com as proposições do Banco Mundial para a América Latina.
Desde o início do Sec. XXI, o mercado privado cresceu os olhos para a atenção primária, que tem um grande potencial na geração de lucros, uma vez que tem um público consumidor mais amplo, menos tecnologia dura envolvida, logo, um custo menor para sua operacionalização, e ainda conta com um “recurso humano” (recorrendo ao jargão capitalista em lugar do termo “trabalhador”) treinado para ser um excelente gatekeeper na racionalização de demandas mais custosas – a/o MFC.
Conclusões/Considerações finais A disputa no campo dos discursos é muito mais ampla do que os espaços institucionais comportam e podemos acabar atuando em favor de ideais neoliberais inclusive na nossa prática clínica enquanto MFC, ditando formas de viver, fabricando riscos e limitando subjetividades, atualizando as estratégias de biopoder estudadas há décadas aplicadas à medicina a qual nós, médica/os de família e comunidade, presumimo-nos contrários.
A MFC trouxe aportes teóricos progressistas para as ciências médicas, tradicionalmente conservadoras e reprodutoras do status quo. Contudo, como todos os elementos de um discurso, sofre tensionamentos e capturas pelas instituições a serviço da classe dominante. A partir desta análise, pode-se antever possíveis cenários políticos que o SUS protagonizará no próximo período caso nenhum projeto logre em forjar alternativas à lógica neoliberal impetrada nos sistemas de saúde, com os objetivos de defender o SUS como direito de todos e dever do Estado e de recuperar para a atenção básica o seu papel histórico de construção das condições para a garantia deste direito – baseado em sistemas nacionais de saúde em sintonia com as diversas necessidades, culturas e experiências locais e uma ampla participação social.
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